"Não espero que ocorram grandes mudanças em termos da operação. Eles [Moscovo] têm um 'modus operandi' que está a funcionar bastante bem, bem estabelecido, portanto não espero que venham a alterá-lo no curto prazo", sustentou Enrica Picco, diretora do programa de África do Internacional Crisis Group (ICG), ex-membro do Painel de Peritos da ONU sobre a República Centro-Africana (RCA), em declarações à Lusa.
A investigadora prevê que "ocorram mudanças em termos da organização dos mercenários no terreno, mas não tanto em relação à sua presença propriamente dita".
"Claro que, se houver grandes mudanças em Moscovo, poderemos assistir a mudanças significativas na presença russa no continente africano. Mas não espero que o exército russo seja retirado, seja por via dos mercenários da Wagner ou de outras companhias sob controlo do estado russo", acrescentou.
Uma apreciação semelhante foi avançada à Lusa por uma fonte diplomática, que falou sob condição de anonimato: "Em relação à RCA e ao Mali, falei com um dos grupos armados que estão envolvidos com o GW e o que me dizem é que, basicamente, até agora não há qualquer mudança, mas teremos que esperar para ver o que acontece nesta crise entre o líder do GW, Yevgeni Prigozhin, e [o Presidente russo] Vladimir Putin", disse.
"O governo da RCA nunca contratou o GW, Bangui assinou acordos com o Ministério russo da Defesa [em 2018], e reclama que essa é a ligação com a Rússia", acrescentou a fonte.
A introdução do GW na RCA foi formalizada através da assinatura de contratos entre Bangui e duas empresas de direito centro-africano criadas para o efeito -- a Lobaye Invest-Security Services e uma filial, a Sewa Security Services, ambas alvo de sanções das Nações Unidas.
Esta circunstância, aponta Enrica Picco, leva a que, "no final, serão os homens de Prigozhin os donos dos contratos, ou que estarão por detrás destas entidades".
"Estamos a falar de companhias de direito centro-africano, em teoria, nada muda na eventualidade do GW vir a ser extinto, integrado no Ministério russo da Defesa ou sob qualquer outra forma de controlo pelo Estado russo", começou por enquadrar Picco.
Porém, admitindo que tal "não afetará os contratos do ponto de vista legal - porque estas entidades continuarão a existir -, a grande questão é a de se saber quem as vai controlar", apontou a investigadora do ICG.
"Na RCA, por exemplo, temos que seguir de perto o que vai acontecer com Vitaly Perfiev - atual líder do GW no país. Quem assumirá o comando do GW fora da RCA e como é que esse comando será transmitido internamente? Era a isso que estaria atento, porque quando o GW entrou na RCA, Prigozhin esteve envolvido diretamente", apontou também o diplomata.
"Veremos como é que as mudanças em Moscovo vão afetar - se vierem a afetar - a cadeia de comando, desde o topo da hierarquia até aos países onde o GW está presente, e para onde é que irá o dinheiro que sai desses países para contas russas", disse ainda.
O GW e os oligarcas russos próximos de Putin - e até agora de Prigozhin -- controlam o grosso da produção diamantífera na RCA, assim como minas de outro neste país, no Mali e no Sudão, ou campos petrolíferos na Líbia sob o domínio das forças do general Khalif Haftar, principal rival do governo de Fathi Bashaga.
Paul Nantulya, investigador do Africa Center for Strategic Studies (ACSS), sublinhou à Lusa que a reação de Putin à rebelião de Prighozin "mostra claramente que a Rússia não vai abandonar a sua estratégia de utilização de unidades militares quase privadas como instrumento da sua segurança externa e das suas operações militares".
O analista do instituto de análise norte-americano reforçou que "a privatização da violência tem uma história muito longa na política externa russa", pelo que "é provável" que venhamos a assistir a um esforço "muito vigoroso" do Kremlin para forçar os operacionais do GW a assinarem contratos com o Ministério russo da Defesa, "onde serão colocadas sob uma direção diferente que substituirá Prighozin".
A confirmar-se este cenário, "as operações que estão a ser conduzidas continuarão, mas sob uma gestão diferente", disse.
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