Numa declaração à imprensa na sede da ONU, em Nova Iorque, Guterres entrou em detalhes sobre o cenário que encontrou na sua recente visita ao Haiti, afirmando que o povo haitiano "está preso num pesadelo vivo", onde as "condições humanitárias são terríveis" e "grupos armados brutais controlam" a população local.
"Port-au-Prince está cercada por grupos armados que bloqueiam estradas, controlam o acesso a alimentos e cuidados de saúde e minam o apoio humanitário. Gangues predatórios estão a usar sequestros e violência sexual como armas para aterrorizar comunidades inteiras", disse o líder da ONU, que visitou a capital haitiana no fim de semana passado.
O ex-primeiro-ministro português disse ter ouvido relatos perturbadores de mulheres e meninas que foram violadas por grupos armados, bem como de situações em que pessoas foram queimadas vivas.
Classificando a situação no Haiti como uma "crise esquecida", Guterres indicou que ainda "há sinais de esperança", pelo que o "mundo deve agir agora para conter a violência e a instabilidade".
Nesse sentido, o líder das Nações Unidas voltou a apelar aos membros do Conselho de Segurança da ONU e a todos os países com potencial de contribuição para que criem condições para o envio de uma força multinacional para auxiliar a Polícia Nacional do Haiti.
"O Governo haitiano está a pedir isso desde outubro. E esses apelos foram repetidos por muitos haitianos que conheci durante minha visita", disse.
"Repito: não estamos a convocar uma missão militar ou política das Nações Unidas. Estamos a pedir uma forte força de segurança enviada pelos Estados-membros para trabalhar lado a lado com a Polícia Nacional do Haiti para derrotar e desmantelar gangues e restaurar a segurança em todo o país", frisou o representante, acrescentando que a polícia local também precisa de financiamento, treino e equipamento.
Segundo Guterres, o povo do Haiti também precisa de ajuda humanitária urgente e, perante tal situação, pediu mais doações, uma vez que o plano de resposta humanitária das Nações Unidas para o país requer 720 milhões de dólares (661,5 milhões de euros) para ajudar mais de três milhões de pessoas e só está financiado em apenas 23%.
O terceiro apelo de Guterres foi focado na situação política no país, instando todos os atores sociais e políticos a acelerarem os seus esforços em direção a uma "solução política desesperadamente necessária".
"Apoio totalmente os esforços de mediação da Comunidade das Caraíbas (Caricom) a esse respeito", defendeu.
"Eu vi a situação por mim mesmo. As condições são desesperantes, mas as soluções são possíveis, se agirmos agora", concluiu.
Nos últimos meses, Guterres tem criticado a relutância dos países ocidentais em enviar uma força internacional para tentar pôr fim à crise política, social e económica no Haiti, o país mais pobre do hemisfério ocidental.
Mais de 600 pessoas foram mortas no Haiti em abril, numa nova vaga de violência extrema na capital.
Desde o assassinato do Presidente Jovenel Moise em julho de 2021, os gangues no Haiti tornaram-se mais poderosos e violentos.
Em dezembro passado, a ONU estimou que os grupos armados organizados controlavam 60% da capital do país, mas a maioria das pessoas nas ruas de Port-au-Prince diz que esse número está próximo dos 100%.
A par da violência, o país também atravessa uma crise política.
Após o término dos mandatos dos 10 senadores que ainda restavam no Senado, em janeiro passado, o país está totalmente desprovido de instituições democraticamente eleitas.
O Senado era a última instituição democraticamente eleita no país, que não consegue realizar eleições legislativas desde outubro de 2019.
Nos últimos tempos, o país foi também afetado por chuvas torrenciais, um sismo e um surto de cólera.
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