No rescaldo da cimeira que terminou, na quarta-feira, em Vilnius, na Lituânia, e que foi dominada pela invasão russa da Ucrânia e pelo processo de adesão de Kyiv à Aliança Atlântica, o resultado foi um manifestação conjunta de apoio mas só quando as condições o permitirem.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, chegou a Vilnius "à procura de uma garantia de que seu país se juntaria à NATO quando a guerra com a Rússia terminasse e queria que a adesão à aliança militar mais poderosa do mundo fosse um farol de esperança para o seu povo, o dividendo definitivo da paz que poderia garantir que nunca mais as tropas russas despojariam a pátria ucraniana", escreve a BBC na sua página 'online'.
Mas, em vez disso, foi simplesmente informado de que a Ucrânia seria convidada a tornar-se membro "quando os aliados concordarem e as condições forem atendidas", numa linguagem "evasiva", acrescenta a estação televisiva pública britânica.
Na análise da BBC intitulada "NATO: palavras calorosas, mas um teste da realidade diplomática para a Ucrânia", lê-se que Zelensky "pode ou não ser um fã dos Rolling Stones - mas depois desta cimeira da NATO, ele provavelmente está familiarizado com a música intitulada 'You Can't Always Get What You Want' ['Tu nem sempre consegues o que desejas', numa tradução livre para português]".
Os jornais britânicos dão relevância também às palavras do ministro da Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, ao criticar o presidente ucraniano de falta de gratidão face aos milhões despendidos pelo Ocidente (incluindo Londres) no esforço de guerra, quando na terça-feira Zelensky não escondeu o seu desapontamento sobre os avanços concretos na integração de Kyiv na Aliança.
No dia seguinte, surgiu mais calmo e apaziguador e até pediu ao seu ministro da Defesa para publicamente agradecer os milhões de Londres gastos em Kyiv: "Sr.. ministro da Defesa, muito obrigado pelo seu apoio", declarou Oleksii Reznikov, perante aplausos, numa expressão de gratidão alargada por Zelensky a todos os 31 aliados.
Noutra análise, o New York Times (NYT) afirma que, "apesar dos sucessos na cimeira da NATO, as divisões permanecem", apontando "novas ambições" para a Aliança com a entrada da Suécia, após o levantamento do veto da Turquia, e o apoio de longo prazo à Ucrânia, "prometendo a adesão um dia".
O comunicado final, "com a sua linguagem diplomática ambígua, não disfarça algumas sérias tensões entre os membros da Aliança na amarga disputa sobre o caminho da Ucrânia rumo à adesão à NATO", prossegue o NYT, que cita John Kornblum, um diplomata experiente e ex-embaixador norte-americano na Alemanha.
O diplomata em questão alerta para um comunicado final da reunião confuso e fraco.
"[O texto] grita medo e insegurança em cada palavra", diz Kornblum.
"O futuro da Ucrânia é com a NATO, tudo bem. Mas, por favor, não se pergunte quando ou como a entrada acontecerá. Basta fazer algumas reformas (não identificadas) e veremos(...)", comenta.
Outros analistas, ainda de acordo com o NYT, viram "uma oportunidade fracassada".
Para Camille Grand, ex-funcionária superior da NATO agora no Conselho dos Negócios Estrangeiros da União Europeia (UE), a posição final da reunião em Vilnius podia ter sido mais precisa e explicar "o que o novo Conselho NATO-Ucrânia poderá fazer" sobre a adesão e levar possivelmente as suas conclusões à cimeira do próximo ano, agendada para Washington.
Segundo François Heisbourg, analista de defesa francês, o resultado em Vilnius "não foi tão fraco quanto o esperado, mas não tão bom quanto o necessário".
Na mesma linha, o site Politico explica "como a Ucrânia perdeu a sua batalha", quando, no final, as "autoridades ucranianas e da Aliança, exaustas, tentaram deixar as disputas para trás e destacaram os ganhos de Kyiv", embora Zelensky tenha deixado a Lituânia "sem esse prémio final".
"[Kyiv] ficou particularmente irritada com a vaga referência às condições, vendo-as como um potencial obstáculo arbitrário à adesão", acrescenta o Politico, ainda que os países do G7 (os sete países mais industrializados) tenham prometido um forte apoio financeiro e militar a Kyiv.
O espanhol El Mundo assinala justamente esse pacote e as palavras de Zelensky quando acabou por descrever a cimeira como "um êxito" ao obter garantias de segurança a longo prazo do G7. Ao mesmo tempo, o jornal espanhol recorda que, enquanto os líderes se reuniam em Vilnius, a contraofensiva ucraniana continua em curso mais de 500 dias desde o início da invasão russa.
A ideia é acompanhada pelo El Pais, que também coloca o foco no fortalecimento dos laços da NATO com as democracias do Pacífico e lembra as presenças em Vilnius dos líderes do Japão, da Austrália, da Coreia do Sul e da Nova Zelândia.
A agência chinesa Xinhua refere, a este propósito, que a NATO deve "parar imediatamente de difamar e mentir sobre a China, interromper a perigosa tentativa de desestabilizar a Europa e a Ásia-Pacífico e pôr fim ao pretexto para a sua expansão contínua".
"O que é dito no comunicado da NATO é o oposto completo da verdade e produto da mentalidade da Guerra Fria e do viés ideológico", diz o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, citado pela agência, recorrendo à ideia de um histórico de paz de Pequim e de não interferência nos outros países.
"Como essa China representaria 'desafios sistémicos' para a NATO?" questiona o representante.
Na Ucrânia, a agência Ukrinform afirma, usando palavras de Zelensky, que Kyiv já está a redigir documentos bilaterais com garantias para a sua segurança, após o apoio prometido pelo G7, adicionando que o presidente ucraniano "vê que haverá uma união séria".
O jornal independente Euromaidan tem, porém, uma visão mais crítica, defendendo que "o que poderia ter sido uma cimeira histórica falhou em fazer o que era necessário" e que a Aliança "ainda não está pronta para defender o único país que protege a segurança e a estabilidade europeias - a Ucrânia".
Em Moscovo, quer a agência TASS como a Interfax destacam uma entrevista com o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, ao jornal russo Lenta, na qual insiste que o Ocidente está a recorrer a medidas que criam uma ameaça existencial para a Rússia e que o país continuará a ter de defender o seu "direito ao desenvolvimento livre e soberano e usar todos os meios disponíveis".
A ofensiva militar russa no território ucraniano, lançada a 24 de fevereiro do ano passado, mergulhou a Europa naquela que é considerada a crise de segurança mais grave desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
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