"É um dilema essa aproximação ou afastamento do 'centrão' [conjunto de partidos políticos predominantemente de direita que usa a sua força em bloco na defesa de interesses próprios]", disse Danilo Miranda, que dirige há mais de 30 anos o Sesc de São Paulo.
A instituição é tida como uma espécie de segundo Ministério da Cultura brasileiro face à sua dimensão e capacidade de ação, com os seus mais de oito mil trabalhadores, e gere anualmente cerca de 460 milhões de euros em áreas como a cultura, desporto ou educação.
Em declarações à agência Lusa em Coimbra, onde esteve de visita à cidade, Danilo Miranda salientou que "o maior desafio de Lula é acertar, porque está difícil".
"Esse grupo chamado de 'centro' ou de 'centrão', que é forte, poderoso e de direita apesar de não se declarar como tal, dificulta a ação do Lula, mas sem ele o Governo não tem como governar e com ele o Governo descaracteriza-se", constatou.
Para Danilo Miranda, o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva ficará marcado por esse jogo de equilibrismo, num momento em que o Presidente brasileiro não "tem a unanimidade que tinha" quando governou pela primeira vez o Brasil, entre 2003 e 2011.
"O próprio PT [Partido dos Trabalhadores] tem hoje mais questões e mais pessoas a pensarem de forma diferente. Acredito que o Lula consegue superar o problema, colocando ordem na casa, mas não é fácil. Há várias questões que já criam problemas, em que o Lula quer resolver de um jeito, o 'centrão' de outro e o pessoal do PT meio que se divide", constatou.
Segundo o diretor do Sesc de São Paulo, o momento atual "é delicado", mas acredita que será possível resolver, ao mesmo tempo que se afasta "por completo o fantasma do 'bolsonarismo'".
"Acho que o Bolsonaro não vai prosperar e não tem chance de voltar, que a desmoralização pessoal e institucional dele, enquanto Governo, é muito grande. (...) O fantasma ainda se sente e é perigoso, mas acredito que se hoje fizessem novas eleições ele perderia por mais", vincou.
Assumidamente otimista, Danilo Miranda vê com bons olhos os passos que se têm dado no campo da cultura, acreditando que será possível restabelecer o que foi destruído durante o Governo de Jair Bolsonaro, até por força da própria sociedade.
"Mesmo com aquela força opressora, vários escritores negros ganharam presença e proeminência. O quadro mudou e bem. Parece que ao se tentar destruir alguma coisa, surgiu uma nova força", apontou.
Apesar disso, mantém-se uma questão: "Que cidadãos formamos que depois votam em Bolsonaro?".
"Essa é a grande questão. Daí a importância da cultura e da sua ligação com a educação. É fundamental", frisou Danilo Miranda, considerando que é também importante as instituições culturais não ficarem cristalizadas nos centros da cidade e chegarem às periferias, onde há também "uma produção cultural intensa", apontando para exemplos que ganharam força nas últimas décadas como os 'rappers' Emicida, Criolo e Mano Brown (do grupo Racionais MC's).
Aos 80 anos, dos quais 39 a dirigir o Sesc de São Paulo, considera que ouvir Emicida dizer que a sua formação cultural foi feita nas estruturas da sua instituição é um sinal de que fez alguma coisa certa.
No entanto, evita falar do passado.
"Eu estou sempre a imaginar o futuro. Nada está fechado", salientou Danilo Miranda, que assumiu querer vir mais vezes a Portugal.
Sobre a visita a Coimbra, feita a convite da câmara municipal e da Associação Portugal Brasil 200 anos, o responsável do Sesc considerou que se abriu uma porta para possíveis colaborações futuras, entre as quais um acordo com a Universidade de Coimbra para cursos no Brasil, em torno de questões como as políticas ambientais e diversidade cultural.
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