"Ao contrário do que foi dito recentemente, continuamos ativamente empenhados especialmente em aspetos como o acesso da Federação Russa aos mercados financeiros e outros aspetos para facilitar as suas exportações", disse António Guterres.
"Estamos a fazer esforços para restaurar um ambiente em que podem ser dadas garantias mútuas para a solução do problema", afirmou, numa conferência de imprensa, em Jacarta.
"As dificuldades que enfrentamos para ter a boa vontade de outros parceiros à volta do mundo, aumentam dramaticamente quando a Federação Russa bombardeia portos e armazéns de cereais, porque isso cria a dúvida se a Rússia está ou não preparada para retomar a iniciativa do Mar Negro. E isso cria alguma resistência noutros países", afirmou.
Guterres defendeu o impacto positivo do acordo de transporte de cereais através do Mar Negro, considerando que a maioria das exportações da Ucrânia foram para países em desenvolvimento e que, globalmente, os preços baixaram.
"A maioria das exportações da Ucrânia foram para países em desenvolvimento, ainda que uma parte importante para países desenvolvidos", disse o português, questionado pela Lusa sobre as acusações russas relativamente a este acordo.
Moscovo abandonou unilateralmente o protocolo em julho, com o Presidente Vladimir Putin a afirmar que que "das 32,8 milhões de toneladas exportadas da Ucrânia, mais de 70% acabaram nos países ricos, principalmente na União Europeia", com os países mais carenciados a receberem apenas 3% dos cereais que saíram pelos portos ucranianos, ou seja, "menos de um milhão de toneladas".
"Temos de reconhecer que quando temos uma grande quantidade de cereais introduzidos no mercado global isso faz baixar os preços e quando os preços baixam toda a gente beneficia. Quando se interrompe isto, os preços sobem e quando sobem todos sofrem", vincou o secretário-geral da ONU.
Guterres falava numa conferência de imprensa em Jacarta, antes da abertura da Cimeira da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e das Nações Unidas, uma das reuniões que coincide com a 43ª. Cimeira da ASEAN em Jacarta.
No início desta semana, Putin rejeitou assinar um novo acordo para o transporte de cereais através do Mar Negro enquanto o Ocidente não cumprir as exigências de Moscovo.
Putin acusou, em conferência de imprensa, o Ocidente de continuar a "bloquear as exigências russas" sobre o acordo. "Recusam-se a retirar as sanções à exportação dos nossos cereais e fertilizantes, a retomar o fornecimento de máquinas agrícolas e peças sobresselentes", explicou, depois de conversações com o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, no sul da Rússia.
A par da ONU, Erdogan foi um dos mediadores do acordo original, conhecido como a Iniciativa do Mar Negro e assinado no verão de 2022 em Istambul, que permitiu à Ucrânia exportar a sua produção de cereais em segurança.
Na altura em que suspendeu a participação no acordo, Moscovo admitiu regressar ao entendimento se for contemplada a reintegração do seu banco agrícola, Rosselkhozbank, no sistema bancário internacional SWIFT, o levantamento das sanções sobre as peças sobresselentes para a maquinaria agrícola, o desbloqueamento da logística de transportes e dos seguros e o descongelamento de ativos.
A parte russa reclamava também o recomeço do funcionamento da conduta Togliatti-Odessa, destinada à exportação de amoníaco, componente essencial para fertilizantes.
Ucrânia e Rússia estão entre os maiores produtores mundiais de cereais e o abastecimento global foi seriamente afetado pela guerra entre os dois países, em fevereiro do ano passado, com impacto na segurança alimentar nos países mais vulneráveis e uma escalada no preços de bens.
Desde o fim do acordo, a Rússia tem bombardeado intensamente os portos e silos de cereais do sul da Ucrânia, ao mesmo tempo que Kiev tem procurado rotas alternativas à exportação de produtos.
À margem da cimeira, Guterres irá ainda hoje manter um breve encontro com Xanana Gusmão, primeiro-ministro de Timor-Leste, que tem estatuto de observador na ASEAN.
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