Afinal, o que se passa em Nagorno-Karabakh? "Limpeza étnica"? Saiba tudo
Milhares de arménios estão a fugir desde a semana passada de Nagorno-Karabakh para a Arménia depois de o Azerbaijão ter recuperado o controlo do território separatista, num conflito que data da era soviética.
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Mundo Nagorno-Karabakh
O êxodo deve-se ao receio de represálias e daquilo que a Arménia qualificou como uma ameaça de "limpeza étnica", um conceito recente nascido das atrocidades cometidas na ex-Jugoslávia, segundo a agência francesa AFP.
O que é a "limpeza étnica"?
O termo começou a ser utilizado na década de 1990, durante o conflito na ex-Jugoslávia. Em 1992, o Conselho de Segurança da ONU referiu-se à "limpeza étnica" na resolução 771.
Dois anos mais tarde, uma comissão de peritos da ONU definiu a "limpeza étnica" como "uma política deliberada concebida por um grupo étnico ou religioso para eliminar, através do recurso à violência e ao terror, as populações civis pertencentes a uma comunidade étnica ou religiosa distinta de determinadas áreas geográficas".
Assassinatos, detenções arbitrárias, confinamento em guetos, violações, deslocação e deportação de populações civis são alguns dos métodos utilizados, segundo a ONU.
Levada ao extremo, a "limpeza étnica" pode levar à destruição total ou parcial de um grupo étnico e ou religioso, ou seja, ao genocídio, como aconteceu no Ruanda em 1994.
O que diz o direito internacional?
A "limpeza étnica" não é um crime propriamente dito ao abrigo do Estatuto de Roma, o tratado fundador do Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, Países Baixos.
O TPI tem jurisdição sobre crimes de guerra, crimes contra a humanidade, crimes de genocídio ou crimes de agressão cometidos no território dos Estados-membros ou pelos seus nacionais.
Dependendo da escala e da gravidade da "limpeza étnica", os peritos da ONU consideram que estas práticas podem constituir crimes contra a humanidade e ser equiparadas a crimes de guerra.
Quais são os principais precedentes?
Na viragem da década de 1990, a República Socialista Federativa da Jugoslávia desmembrou-se segundo linhas étnicas, numa série de guerras sangrentas.
O massacre de cerca de oito mil muçulmanos no enclave de Srebrenica em julho de 1995 ilustra a política de "limpeza étnica" levada a cabo pelas forças sérvias da Bósnia para expulsar os muçulmanos de zonas-chave da região.
Criado pela ONU em 1993, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) acusou mais de 160 pessoas, 90 das quais foram condenadas, por crimes cometidos entre 1991 e 2001 contra membros de diferentes comunidades étnicas na Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Kosovo e Macedónia.
Darfur, uma vasta região no oeste do Sudão, foi devastada por uma guerra civil que começou em 2003, entre o regime de maioria árabe de Omar al-Bashir e os insurgentes de minorias étnicas que denunciam a discriminação.
Em 2007, o Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas manifestou-se alarmado com a "limpeza étnica" levada a cabo pelo regime de Cartum.
Em 2017, em Myanmar (antiga Birmânia), as atrocidades cometidas pelo exército forçaram 750 mil rohingya, uma minoria muçulmana, a fugir do país predominantemente budista e a refugiar-se no Bangladesh. Os Estados Unidos consideraram que as intenções do exército birmanês visaram a "destruição efetiva" desta minoria.
Outros casos de "limpeza étnica" foram registados na Chechénia na década de 1990.
Qual é a situação em Nagorno-Karabakh?
A Arménia, para onde afluem dezenas de milhares de refugiados de Nagorno-Karabakh, acusa o Azerbaijão de "limpeza étnica" no território secessionista de maioria arménia, recapturado na semana passada pelas forças azeris.
Baku rejeita a acusação e afirma que os residentes arménios estão a abandonar Nagorno-Karabakh de livre vontade.
Especialistas e refugiados entrevistados pela AFP citam várias razões para a fuga: imposição dos separatistas, medo de represálias que se mantém forte desde a grande guerra dos anos 1990, que causou 30 mil mortos, e êxodo de centenas de milhares de azeris e arménios.
Há também a memória dolorosa dos milhares de mortos na segunda guerra entre as duas partes, em 2020, bem como o medo do recrutamento.
"Nos últimos 30 anos, nunca houve um momento em que pudéssemos imaginar as duas comunidades a viverem juntas. Nem os arménios nem os azeris estão preparados para essa opção", afirmou Bayram Balci, investigador Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po).
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