A migração tornou-se num tema-chave numas eleições em que o partido populista e conservador Lei e Justiça (PiS) procura um terceiro e inédito mandato consecutivo e a coligação liberal Plataforma Cívica (PO), liderada pelo ex-presidente do Conselho Europeu Donald Tusk, ser alternativa, mas os resultados são imprevisíveis e o futuro Governo deverá ser determinado pelas pequenas formações políticas.
Enquanto o futuro político da Polónia se mantém em aberto, para os ativistas do Grupo Granica (Fronteira) que há mais de dois anos lidam de perto com a nova realidade dos migrantes que ninguém quer, as perspetivas são sombrias, sejam quais forem os resultados de domingo, porque a posição de força do partido do Governo já conhecem e as expectativas em relação à oposição são baixas.
A sua experiência ensinou que "o discurso do medo" funcionou desde que há mais de dois anos foram detetadas novas rotas migratórias pela Bielorrússia de entrada no espaço europeu para Polónia e países bálticos e sobretudo desde que se descobriu o envolvimento direto do Governo autocrático de Alexander Lukashenko em Minsk e provavelmente do próprio Kremlin, com vista a desestabilizar a União Europeia (UE), a que a guerra na Ucrânia veio dar um novo alcance.
Para estas pessoas, significa também aceitar as consequências de estar do lado oposto da política musculada de Varsóvia na resposta a esta crise motivada por uma quantidade de migrantes desconhecida ao exato, mas que serão apenas poucas dezenas de milhares, da construção de um muro metálico, betão e arme farpado ao longo de 186 quilómetros da fronteira com a Bielorrússia e destacamento de mais de 10 mil militares para a região.
Representa ainda a oposição ao pacto migratório da UE e política de realocação de migrantes a que um dos referendos, a par de outro sobre o "muro da Bielorrússia", alude: "Aceita a admissão de milhares de imigrantes ilegais do Médio Oriente e de África, de acordo com o mecanismo de relocalização forçada imposto pela burocracia europeia?".
O rastilho para todo um ruidoso clima eleitoral, em que os polacos receberam nas suas caixas de correio panfletos com imagens de embarcações no Mediterrâneo carregadas com migrantes africanos e do Médio Oriente e a frase "Eles estão a chegar!", remonta a um pequeno grupo de afegãos detetado há pouco mais de dois anos a entrar em solo polaco proveniente da Bielorrússia. Os migrantes entretanto continuaram a chegar à região mas chocam contra um muro físico e outro de tolerância zero a estas entradas.
Segundo Olivia Hurley, ativista do Grupo Granica, a rota migrante tem origem no próprio regime de Lukashenko, que, através de agências especializadas a troco de valores entre os cinco mil e os 20 mil dólares, cativa estas pessoas nos países de origem com "o sonho europeu" e utiliza-as depois para canalizá-las para as fronteiras da UE.
"No início tudo parece muito bonito e civilizado", mas os relatos dos migrantes à Granica descrevem que "a seguir aos voos, acabam-se as gentilezas", são carregados em camiões e depois marcham ao longo de florestas densas, escoltados por militares bielorrussos, onde são largados finalmente ao seu destino junto à separação com a Polónia.
Quando se fala em florestas, destaca Paulina Siegien, jornalista residente na região, "não é como estas árvores que temos aqui em redor das aldeias, é uma selva sem caminho de saída", onde os migrantes não têm o que comer ou beber, um telefone, debaixo de temperaturas extremas no inverno, nem sequer para onde voltar porque os guardas bielorrussos não deixam, restando-lhes saltar uma cerca de cinco metros de altura até terem sucesso ou serem capturados pelos polacos, que os recambiam para onde vieram, com mais ou menos brutalidade, porque também há testemunhos dela. E tentar outra vez.
Neste "pingue-pongue macabro" e, entre cerca 50 mil devoluções realizadas oficialmente pelas autoridades polacas (mas que podem dizer respeito a casos de pessoas que tentaram a travessia dez ou vinte vezes, pelo que não refletem a realidade completa), têm sorte os que conseguem saltar o muro à primeira, por vezes com ajuda dos guardas bielorrussos, e não partiram um pé ou uma perna na queda nem rasgaram as carnes no arame farpado. Mas outros ainda "simplesmente morrem naquela floresta uma vez que não há nada que possam fazer".
É na ajuda a estas pessoas, que chegam através de números de emergência distribuídos pela Granica, largamente em redes sociais usadas por estas populações, que Olívia Hurley se concentra, fornecendo ajuda humanitária elementar aos que conseguem cruzar a fronteira, e explicando a sua situação legal e baixa probabilidade de encontrarem asilo na Polónia, onde "qualquer encontro com qualquer autoridade significa problemas".
Mesmo que, pelas leis do país, não esteja a fazer nada de ilícito, e até encontraria correspondência do que chamaria a lei do bom samaritano, o mais usual é que a ajuda a estas pessoas em desespero está mais próxima do auxílio à imigração ilegal: "Pelos vistos, a lei do bom samaritano só se aplica a pessoas brancas - pessoas de outras etnias ou religiões estão fora", satiriza, levando a que ela também enfrente problemas no próprio seu país e arrisque uma pena até três anos de prisão.
Para altos dirigentes do PiS e do Governo, trata-se inclusive de crimes de alta traição à pátria, servindo os interesses de Minsk e dos russos, o que, noutros contextos, seria equivalente a pena de morte, observa a ativista, recordando palavras nesse sentido do Presidente, da República, do primeiro-ministro ou do líder do partido maioritário, outras, de sentido mais prático, de um comandante da guarda polaca que propagava que a existência do muro defendia o seu povo de ser atingido com pedras e paus arremessados do outro lado da fronteira.
"Eles são só jovens civis de algum lugar do mundo, mas não têm comida suficiente, estão cansados, como é que eles podem representar uma ameaça para o seu povo? O que aconteceria se do outro lado estivesse o exército regular russo ou bielorrusso?", questiona Basia Kuzub-Jamisuk, outra ativista e diretora do centro cultura de Czeremcha.
Quando é questionada sobre a sua atividade, costuma dizer que é "apenas uma das pessoas locais que vão para a floresta e trazem as pessoas para lhes dar o que elas precisam".
Chegou a ser chamada a um centro de registo de estrangeiros para levar bens de auxílio, porque, de um modo que não compreendeu, alguns migrantes foram recambiados e outros não -- "não há um padrão" -, mas desde a primavera já nem acesso a essas instalações tem porque as pessoas desapareceram e o mais certo é que, em apenas 24 horas, o comandante em funções decida agora, em total arbítrio, que vai e quem fica em locais de alojamento temporário "que parecem prisões".
Basia Kuzub-Jamisuk conta que perdeu muitos amigos e conhecidos desde que iniciou esta atividade e recusa-se a manter relações com pessoas com ideias anti-imigrantes, combinou até com a própria mãe que não haveria problemas entre elas se ao menos se abstivesse nos referendos, como aliás recomenda a oposição.
A ativista mantém um sentimento "muito negativo" em relação aos guardas de fronteira e a tudo o que envolva uniformes, pela forma como interpreta a cidadania e como vê os políticos manipularem os mais idosos, nesta região bastante envelhecida, ao reforçarem os pagamentos de pensões, contribuindo para a sua indiferença, ou a perceção de segurança com notícias alarmistas nas televisões, erguerem o muro, além do destacamento "sem propósito" de dez mil militares, que serão provavelmente ainda mais em período eleitoral. "Estamos em minoria e sabemos disso".
Na região não é conhecido um único crime imputado à "ameaça estrangeira", dando lugar, no relato de Paulina Siegien, a "lendas urbanas" de pessoas que chegaram a casa e tinham imigrantes a jantar, oferendo-se cordialmente para pagar o que tinham comido, e outros menos amáveis, segundo Olívia Hurley, de uma mulher violentamente arredada do seu carro. Em ambos os casos, se fossem verdade, daria lugar a um provável festival mediático com alto patrocínio político.
Esta é ainda uma região de comunidades seculares de minorias bielorrussas, e também ucranianas, o que é notório no número de templos ortodoxos, ou judaicos, que basicamente permaneceram nos seus lugares enquanto foi a fronteira que se moveu mais para um lado ou para outro.
Agora, está fechada e até esses laços culturais e familiares estão temporariamente encerrados, numa repetição da sobreposição da política sobre as sociedades, onde historicamente se verificaram aldeias cortadas ao meio por caprichos administrativos ao ponto de a igreja ficar num país e o cemitério do outro.
Pelas suas características, a região nunca foi propriamente alinhada com o nacionalismo polaco mas encontra-se tão deprimida que, de acordo com a jornalista, os políticos locais vendem-se por pouco, o ultimato da emigração também sufocou outras crises, afetado a riqueza local do turismo e o seu icónico Parque Nacional de Bialowieza.
O muro também cruza esta última grande relíquia florestal primitiva intocada da Europa, ecossistema da maior população de bisonte-europeu, e património da humanidade da UNESCO, com uma redução de visitas para metade este ano, comparada com períodos homólogos e já em perda durante a pandemia de covid-19. "Aqui não se fala da Rússia", limita-se a dizer o diretor do parque, enquanto os seus "rangers" lamentam, por seu lado, o lixo deixado na floresta pelos migrantes e pelos militares e ainda prováveis danos de conservação na barreira imposta à circulação da fauna
Slavomir Dron é ainda mais direto: "É uma catástrofe completa". Quando o primeiro-ministro vem à região e se fotografa junto a um muro, é "um sinal que se dá aos visitantes e famílias e um desastre" para o negócio do seu restaurante Fanaberia em Bialowesia e todos os outros.
Tal como cada notícia sobre a suposta proximidade do Grupo mercenário russo Wagner do outro lado da fronteira em plena guerra da Ucrânia é menos um cliente a contar no estabelecimento vazio à hora de almoço. Como toda a localidade de Bialowezia parece uma cidade-fantasma.
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