Aos 61 anos, e com 39 anos de serviço na Força Aérea, Brown chegou este mês ao topo da hierarquia militar norte-americana, tornando-se o segundo soldado afro-americano a ocupar o cargo, depois de Colin Powell (1989-93).
A sua nomeação esteve suspensa durante várias semanas, devido a resistências do Partido Republicano no Congresso, mas acabou desbloqueada por um movimento de pressão de dentro das próprias Forças Armadas, com um leque de altas patentes a sublinhar a competência de Brown para o cargo num momento particularmente agitado da geopolítica.
Brown já conseguiu angariar respeito de aliados e adversários externos, não escondendo que pretende intrometer-se na diplomacia militar dos Estados Unidos, depois de uma alta patente chinesa ter informado que o novo chefe de Estado-Maior tinha pedido para ser recebido pelo ministro da Defesa da China, Li Shangfu.
Nos últimos anos, sobretudo depois de ter assumido o lugar de líder da Força Aérea, Brown assumiu publicamente posições a defender reformas nas fileiras militares, não escondendo a sua preocupação com o facto de as Forças Armadas continuarem a recrutar soldados oriundos de movimentos extremistas.
"As Forças Armadas dos Estados Unidos não devem ser compatíveis com cidadãos que não respeitam os valores da democracia e do Estado de Direito e que revelam posições de radicalismo violento", defendeu Brown numa entrevista televisiva em 2021, quando se soube que alguns dos movimentos que participaram na invasão do Capitólio, em 06 de janeiro desse ano, integravam elementos do Exército.
Para Lena Cassidy, investigadora de Assuntos Militares do Hunter College, de Nova Iorque, Brown tornou-se conhecido pelas suas frequentes posições públicas sobre a necessidade de introduzir modificações "numa instituição que tradicionalmente resiste a mudanças", alegando que elas são urgentes para dar eficácia ao sistema defensivo norte-americano.
"Ele assumiu-se como um acelerador de mudanças, argumentando que as Forças Armadas não podem estar na vanguarda da inovação tecnológica e armamentista e obsoletas nos serviços humanos", explicou à Lusa esta analista, que tem estudado a demografia do Exército norte-americano.
Charles CQ Brown traz uma vantagem para o novo cargo: tem posições muito próximas das do atual secretário de Estado da Defesa, Lloyd Austin, e, ao contrário do que aconteceu ao seu antecessor, Mark Milley, que teve de resistir a divergências com o ex-Presidente Republicano Donald Trump, parece ter a total solidariedade da Casa Branca.
"O elogio que foi feito pelo Presidente Joe Biden no dia de tomada de posse, com forte ênfase às suas características pessoais, de coragem e bom senso, pareceram mais sinceras do que as que ouvi em momentos anteriores em situações idênticas", disse à Lusa Glenn Rogue, jornalista 'freelancer' norte-americano que acompanha matérias de Defesa há várias décadas.
Apesar das suas conhecidas posições públicas sobre as necessidades de reforma nas Forças Armadas, Brown nunca expôs a sua posição política e foi elogiado pelo atual Presidente Democrata e pelo anterior Presidente Republicano, quando Trump esteve na sua tomada de posse como comandante da Força Aérea, há três anos.
"Mas se os políticos o elogiam, é porque sabem que têm de o fazer na frente de outros soldados. Porque, na verdade, ele é uma figura incómoda para o poder executivo, pelas mudanças que está sempre a exigir, por onde passa", explicou Cassidy.
E a lista de exigências de Brown é extensa.
Sobre a Coreia do Norte e o Pacífico - região que o Pentágono identificou como prioritária para conter a expansão militar da China - Brown defendeu uma aproximação trilateral entre os Estados Unidos, o Japão e a Coreia do Norte com um aumento de mísseis nucleares que o Congresso tem tido resistência em disponibilizar.
Sobre a resistência ucraniana à invasão russa, o novo chefe de Estado-Maior quer os Estados Unidos a contribuir diretamente com treino dos militares comandados por Kiev e uma maior interligação com os aliados europeus para criar uma base de suporte mais eficaz contra Moscovo, num momento em que o país se divide sobre a continuidade do apoio militar à Ucrânia.
Depois de o Pentágono e a NATO terem identificado a China como o principal inimigo, Brown alerta para o risco que a Rússia continua a apresentar, como grande potência militar, embora concorde com os desafios que Pequim começa a desenhar, nomeadamente como a exploração do Ártico em coordenação com Moscovo.
Num memorando que entregou à Casa Branca no início do mês, Brown sublinhou a necessidade de inovação, modernização e prontidão das Forças Armadas para enfrentar os desafios do futuro.
Nesse documento, o novo chefe de Estado-Maior repetiu a sua confiança nas armas nucleares como instrumento de dissuasão num mundo multipolar e de muita incerteza.
Brown tem defendido a modernização das plataformas de lançamento e das ogivas nucleares, bem como a recapitalização das infraestruturas de produção de armas nucleares, que foi praticamente abandonada depois da Guerra Fria.
"Brown é um dos graduados do Pentágono que sabe bem da importância das armas de dissuasão. Também por estas posições, tem sido uma das figuras mais respeitadas entre os seus pares, que muitas vezes não sentem coragem para exprimir estas posições, que estão longe de ser pacíficas ou consensuais", explicou Rogue.
O novo comandante das Forças Armadas norte-americanas lembrou recentemente que a China está a expandir o seu arsenal nuclear, começando a igualar a Rússia como o rival atómico mais eficaz no cenário global, e que precisa de respeitar os Estados Unidos neste patamar, "o último patamar de uma eventual escalada".
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