Greve contra reformas na Argentina com baixa adesão (e protesto sindical)
A primeira greve geral contra o Governo do Presidente Javier Milei ficou marcada por um protesto sindical massivo perante o parlamento da Argentina, mas foi pouco sentida nas lojas e empresas que fizeram uma campanha inédita contra a paralisação.
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Mundo Argentina
"Não aderi à greve, assim como nenhum dos meus funcionários, porque a Argentina está destruída e precisamos reerguê-la. A paralisação não resolve nada, a não ser os interesses dos sindicalistas. Eu cuido do interesse dos meus próprios empregados", afirmou à Lusa o empresário Juan Méndez, dono de uma companhia de transporte e logística com 70 camiões em Villa Adelina, a 25 quilómetros de Buenos Aires.
Juan Méndez é um dos quatro empresários fundadores do denominado "Grupo PEP", sigla para pequenos e médios empresários, empreendedores e produtores, criado a 26 de dezembro, seis dias depois do decreto de 366 artigos do Presidente, entre os quais aparece a reforma laboral que deflagrou a greve de quarta-feira.
O "Grupo PEP" já aglutina cerca de quatro mil pequenas e médias empresas com o objetivo de defender a reforma perante legisladores e juízes. O Parlamento deverá tratar do decreto, enquanto os juízes suspenderam a aplicação do capítulo laboral. Nenhuma das quatro mil empresas aderiu à paralisação.
Juan caminha com a reportagem da Lusa pela firma em plena atividade e mostra os 100 funcionários presentes, apesar da greve convocada pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), a maior central sindical do país.
"Estamos de acordo com todos os artigos da reforma laboral. Temos a convicção de que, com a reforma, vamos contratar muito mais. Fiz uma aposta aqui com os meus funcionários: se tudo avançar, vamos duplicar o pessoal da empresa. Tenho certeza de que podemos conseguir", conta Juan Méndez.
O grupo não só convocou os empresários para abrirem os seus estabelecimentos e os funcionários trabalharem normalmente, como pediu que pusessem bandeiras argentinas nas janelas das suas companhias e que trabalhassem com a camisa da seleção argentina.
A greve começou ao meio-dia com duração de apenas 12 horas, mas os transportes públicos circularam até as 19 horas, permitindo que a adesão fosse baixa. Comércios e empresas abriram normalmente. O transporte aéreo foi o mais afetado, com o cancelamento de centenas de voos, prejudicando milhares de passageiros. No Estado, o Governo Milei advertiu que os servidores que aderissem à paralisação teriam desconto no vencimento.
Foi a primeira vez nos últimos 40 anos, desde que o país recuperou a Democracia, que uma greve não durou 24 horas e que o transporte público não foi totalmente interrompido. Os sindicalistas trocaram a alta adesão pela participação no protesto perante o Congresso.
Precisavam que as pessoas pudessem ir e voltar da manifestação que visava pressionar os legisladores a rejeitarem tanto o decreto com a reforma laboral como o pacote de leis com 523 artigos que desregulam a economia.
Segundo a CGT, 600 mil pessoas participaram na manifestação na Praça do Congresso. Para o Governo, foram apenas 40 mil. Entre números contraditórios, a Polícia contabilizou 130 mil.
Jorge Russi, secretário nacional da Associação Operária Têxtil, foi um dos presentes. O sindicalista é contra a reforma laboral, tanto pelo conteúdo quanto pela forma, através de um decreto.
"Para além de estarmos contra o conteúdo dessa reforma, também vemos a forma inconstitucional com que o governo a quer impor através de um decreto. Todas as reformas na Argentina durante a Democracia foram por lei. Se o Congresso aprovar a reforma, respeitaremos, mas precisamos que sejam as instituições a fazerem as mudanças", argumentou Jorge Russi à Lusa durante o ato em frente ao Parlamento.
O texto do decreto inclui alternativas à indemnização de um trabalhador despedido e limitam o direito à greve nos setores da Saúde e da Educação por serem serviços essenciais. Também eliminam multas aos empregadores por falhas no registo dos empregados. Esse ponto é um dos mais importantes, porque gera a indústria do processo contra as empresas.
Para os empresários, a resolução desse ponto permitirá contratar mais pessoal sem medo de um processo judicial. Para os sindicalistas, esse ponto diminui o montante de indemnização a um trabalhador.
Porém, o que mais afeta os sindicatos e o que realmente deflagrou a greve são duas medidas que esvaziam os cofres dos sindicatos. Uma medida torna voluntária a atual taxa sindical obrigatória descontada do salário de todos os trabalhadores. Outra medida é a liberdade que os trabalhadores passam a ter para escolherem planos de saúde.
Na Argentina, além da saúde pública e da medicina privada, existem planos de saúde dos sindicatos para os quais todos os trabalhadores descontam obrigatoriamente. A reforma de Milei permite que possam escolher se querem um plano de outro sindicato ou se querem um plano de saúde privado.
Um dos que se manifestaram perante o Congresso contra a reforma laboral foi o reformado Néstor Reguero, de 63 anos.
"Era necessária uma reforma laboral, mas não são os integrantes deste governo que têm condições de fazê-la. A reforma que querem fazer é unilateral. Está pensada apenas para diminuir os custos dos empresários para poderem demitir gente sem pensar no trabalhador", critica Néstor.
Para o reformado, toda a lógica do ultraliberal Javier Milei é economicista.
"A reforma previdenciária que Milei pensa não visa melhorar as pensões, mas piorá-las para fechar as contas. O Governo quer privatizar todas as empresas do Estado, inclusive aquelas que deixam lucro. É incompreensível. Quer acabar com tudo", adverte Néstor.
Com apenas um mês e meio de governo, Javier Milei entra para história da Argentina como o Presidente que mais rapidamente teve uma greve geral organizada contra a sua política.
O movimento sindical argentino é declaradamente ligado ao Peronismo. A última greve geral na Argentina foi em 29 de maio de 2019, durante o governo do ex-Presidente Mauricio Macri, um opositor do Peronismo. No total, Macri sofreu cinco greves gerais.
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