"Qualquer cenário [relativo à marcação da data das eleições] que vá para além de 02 de abril pode ter implicações na estabilidade do país e conduzir-nos a uma crise bastante mais profunda", afirmou à Lusa Paulin Maurice Toupane, analista principal do Institute for Strategic Studies (ISS), em declarações a partir da capital senegalesa.
A crise no Senegal, país que faz fronteira com a Guiné-Bissau, é um dos temas da Cimeira extraordinária que a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) realiza hoje em Abuja, a par da decisão, sem precedentes, do Burkina Faso, Mali e Níger de abandonarem a organização, em reação às sanções aplicadas na sequência dos golpes militares nesses países.
O chefe de Estado senegalês reiterou, na passada quinta-feira, numa muito aguardada conferência de imprensa, que sairá de cena no final do mandato, mas manteve o tabu sobre a data das presidenciais, que deveriam decorrer este domingo e que Macky Sall adiou surpreendentemente no passado dia 03, a escassas 12 horas do início oficial previsto da campanha eleitoral.
A marcação da data das eleições - mas não necessariamente a sua realização - antes do final do mandato presidencial é condição "sine qua non" para que se mantenha o atual processo eleitoral em curso, com tudo o que até agora foi determinado pelo Conselho Constitucional do país, que é a instituição responsável por fiscalizar a sua condução.
É aqui que reside a chave para compreensão do tabu de Macky Sall sobre a data das eleições, mas também o entendimento da pressão de 16 dos 19 candidatos presidenciais e da sociedade civil para que o Presidente faça uso da sua prorrogativa em tempo útil, explicou o analista.
É que, se Sall não anunciar a data das eleições antes de dia 02 de abril, caberá ao presidente da Assembleia Nacional - que assumirá interinamente a Presidência do país uma vez expirado o mandato constitucional do atual chefe de Estado - a marcação do plebiscito no prazo de 60 a 90 dias após assumir funções. E essa é a "única forma" de o processo eleitoral ser reiniciado "a partir do zero", com uma "nova lista de candidatos", explicou Paulin Toupane.
Quando, no passado dia 03, Macky Sall adiou as eleições, fundamentou essa decisão em dois argumentos. Em primeiro lugar, na acusação de alegada corrupção de membros do Conselho Constitucional - o organismo responsável por garantir a legalidade do processo eleitoral -, feita pelo Partido Democrático Senegalês (PDS), cujo candidato, Karim Wade - filho e antigo ministro do ex-Presidente Abdoulaye Wade -, foi excluído da corrida presidencial por ter dupla nacionalidade, senegalesa e francesa, não obstante ter renunciado à segunda antes do anúncio da lista de candidatos pelo Conselho.
O segundo argumento de Sall assentou no facto de o Conselho Constitucional ter validado a candidatura de Rose Wardani, líder do movimento Senegal Novo, acusada de possuir nacionalidade francesa, provas alegadamente constantes numa lista do Consulado de França em Dacar, e que levaram a própria a renunciar à candidatura.
Na semana passada, o Conselho Constitucional divulgou uma nova lista de candidatos, retirando Wardini, mas mantendo a lista inalterada em tudo o resto, nomeadamente sem incluir a candidatura de Karim Wade.
O que a coligação no poder, Benno Bokk Yakaar (BBY), parece estar a tentar fazer, segundo Toupane, é deixar a marcação da data das eleições para o presidente do parlamento senegalês.
Se esta estratégia for bem-sucedida, as eleições podem até vir a realizar-se no final do ano - como votado pelo parlamento no dia 05 e invalidado pelo Conselho Constitucional logo a seguir -, dando à BBY o tempo suficiente para encontrar um candidato alternativo a Amadou Ba, atual primeiro-ministro, que não reúne o apoio consensual da coligação no poder, e aparece muito mal colocado em todas as sondagens.
"Amadou Ba não tem qualquer hipótese, assim como nenhum dos candidatos associados à BBY e mesmo Karim Wade, contra Bassirou Diomaye Faye", sublinhou à Lusa o analista senegalês Bamba Ndiaye, professor no Instituto de Estudos Africanos da Emory University, Oxford College, em Nova Iorque.
Faye, atualmente detido, é candidato e número dois do Patriotas Africanos do Senegal para o Trabalho, a Ética e a Fraternidade (PASTEF), o partido - extinto em meados do ano passado - de Ousmane Sonko, que também se encontra detido.
Por outro lado, acrescentou Ndiaye, se a estratégia da BBY é mesmo reiniciar o processo eleitoral desde o início, obrigando à revisão do recenseamento eleitoral e a nova lista de candidatos, "então também a possibilidade de Ousmane Sonko se candidatar volta a estar em cima da mesa, e, se [o principal líder da oposição] for candidato, terá uma vitória arrasadora".
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