A Europa 'parou' na quarta-feira para assistir ao "dia mais triste de democracia na Eslováquia", como se ouviu o primeiro-ministro do Interior do país, Matúš Šutaj Eštok, descrever. Em causa está a tentativa de assassinato do primeiro-ministro, Robert Fico, que esteve na mira de pelo menos quatro tiros,
Menos de 24 horas depois do ataque já se ouve o Governo dizer que Fico "vai sobreviver", depois de a gravidade da situação o ter colocado a "lutar pela vida". Ainda esta quinta-feira, o hospital onde este está internado confirmou que, apesar de estável, o chefe de Governo está num estado "muito complicado".
Mas quem é Fico?
Robert Fico nasceu em Topoľčany, uma pequena cidade na Lituânia, filho de um camionista e de uma trabalhadora operária. Hoje, com 59 anos, é um dos líderes europeus mais dissidentes dos 27, mas enquanto jovem, e a nível nacional, sempre se manteve muito ‘dentro do sistema’. Tal como aponta o jornal britânico The Guardian, Fico cumpriu o serviço militar obrigatório, e acabou por obter um doutoramento no ramo judicial – e trabalhar na Academia Eslovaca das Ciências.
Mas foi com a queda do Muro de Berlim, a desintegração da Checoslováquia e a formação da Eslováquia como um estado independente, no início dos anos 90, que começou a trilhar caminho na política Segundo escreve a publicação britânica, Fico era "jovem, convincente e, mais importante, não tinha qualquer ligação ao regime comunista que havia sido deposto".
Com uma passagem pelo Partido da Esquerda Democrática, acabou por fundar o Smer, ligado à social-democracia, partido que defendia a democracia e o socialismo – porém, "rapidamente" os analistas concluíram que as ambições de Fico se sobrepunham às ideologias do partido.
Foram precisos sete anos na oposição para o ‘levar’ até à liderança do país, pela primeira vez em 2006. Desde aí, Fico ganhou mais dois mandatos.
Durante a sua jornada, foi também alvo de grandes protestos, depois de uma jornalista e de o seu marido terem sido mortos por um assassino a soldo, em 2018. O Smer perdeu força para outros partidos que tinham como prioridade o combate à corrupção, e acabou por se dividir.
E como regressou ao poder?
A pandemia de Covid-19 arrasou o mundo, mas foi aqui a janela de oportunidade para Fico, que apesar de nessas eleições estar abaixo dos 10% nas intenções de voto, acabou por fazê-las ‘render’. "Tornou-se o político mais proeminente de um movimento contra as máscaras e a vacinação", explicou ao Guardian o analista Grigorij Mesežnikov.
O líder do Smer foi também alvo de uma acusação criminal, por alegada criação de um grupo criminoso e também por abuso de poder, mas o procurador-geral eslovaco rejeitou esta acusação – e ‘deu-lhe’ mais vontade e sede de poder.
"Está a aprender com Trump e vai dizer e fazer tudo aquilo que seja necessário, tirando da Esquerda à Direita", disse Milan Nič, um outro investigador ao diário britânico. "É muito hábil", acrescentou.
Hábil, mas…
As posições mais divergentes de bloco europeu não ficam só, no entanto, por ser contra o uso de máscara – é que Fico tem adotado algumas posições mais extremistas, nomeadamente, em relação à Ucrânia. Para além de se comprometer a lutar por um travão no apoio militar a Kyiv, já ameaçou também vetar qualquer convite que seja feito a Kyiv para entrar na NATO. A Bratislava fez também grandes críticas às sanções a Moscovo no âmbito deste conflito e tem tentado semear a divisão entre eleitores mais velhos e conservadores das províncias, e os da capital, com uma população mais instruída e progressista.
Uma das adversárias de Fico é a líder liberal Zuzana Čaputová, que acusou também o primeiro-ministro de espalhar rumores sobre ela. A responsável estava à frente de uma Organização Não-Governamental (ONG) antes de liderar o partido liberal, organizações às quais o primeiro-ministro tem dificultado a vida. Entre outros, Čaputová foi acusada de ser uma "marioneta dos Estados Unidos".
Outro dos seus alvos tem sido também a comunidade LGBTQIA+.
Inspirado em Orbán?
Os analistas tem visto que Fisco tem tentado ‘imitar’ o seu homólogo vizinho na Hungria, Viktor Orbán, ao tentar impor o seu poder e a estreitar laços com a Rússia. "Viktor Orbán é um daqueles políticos europeus que não tem medo de defender abertamente os interesses da Hungria e do povo húngaro", disse à Reuters em setembro passado.
"Coloca-os em primeiro lugar. E esse deve ser o papel de um político eleito, cuidar dos interesses dos seus eleitores e do seu país", reforçou.
Recorde o ataque
Durante o ataque que deixou Fico em perigo de vida foram disparados pelo menos quatro tiros, tendo um destes atingido o estômago do primeiro ministro, e outra uma "articulação" no pescoço. "Foi imediatamente levado para o hospital e depois para cirurgia", explicou um responsável do governo, referindo que a intervenção durou pelo menos três horas.
Os disparos ocorreram depois de uma reunião do governo, e já começou a ser investigado pelas autoridades.
O suspeito de ter tentado assassinar o primeiro-ministro foi identificado pela imprensa local como Juraj C., um homem de 71 anos, residente em Levice, a cerca de 80 quilómetros de Handlova, onde ocorreu o ataque. A identificação do suspeito ainda não foi confirmada pelas autoridades
Poderá enfrentar uma pena de prisão perpétua, uma vez que, de acordo com o Código Penal eslovaco, um crime de homicídio premeditado é punido com pena de prisão de "20 a 25 anos". No entanto, se o ataque "for dirigido a uma pessoa protegida", como um primeiro-ministro, a pena aumenta para prisão perpétua.
Chegou mesmo a ser dito que "os médicos lutaram pela sua vida", devido aos graves ferimentos de que foi alvo.
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