O Presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, que prometeu lutar "até ao último momento" contra a iniciativa, encontra-se em Nova Iorque para tentar dissuadir o maior número de Estados-membros da Assembleia-geral da ONU de votar favoravelmente a resolução que condena o alegado genocídio de Srebrenica, que os sérvios contestam desde 1995.
Na terça-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros sérvio anunciou que Vucic partiu na segunda-feira em direção à sede das Nações Unidas em Nova Iorque, acompanhado pelo chefe da diplomacia Marko Djuric.
Belgrado admite ser praticamente impossível impedir a aprovação do texto devido ao amplo consenso que deverá obter junto dos países ocidentais e muçulmanos, mas espera reduzir ao máximo o número de apoios.
O Governo sérvio opõe-se ao texto proposto pela Alemanha e Ruanda -- também apoiado por mais de 12 países -- ao considerar que pretende "estigmatizar" os sérvios e estabelecer uma "hierarquia" entre as vítimas das guerras.
A resolução inclui uma proclamação do 11 de julho como "Dia Internacional da Memória do Genocídio cometido em Srebrenica em 1995", uma iniciativa que agravou as tensões latentes na região dos Balcãs.
Em julho de 1995, a cinco meses do final da guerra civil iniciada na Bósnia-Herzegovina durante a primavera de 1992, cerca de 7.500 homens e rapazes muçulmanos bósnios em idade de combater foram mortos na sequência do assalto militar das forças sérvias bósnias a este enclave do oeste, que decorreu entre 06 e 11 de julho.
As forças sérvias enviaram as mulheres e crianças para as regiões controladas pelos bosníacos (muçulmanos bósnios), e indicaram que a maioria das vítimas foi morta em combate quando milhares de detidos, muitos deles armados, escaparam dos centros de detenção em Srebrenica e tentaram romper as linhas sérvias em direção a territórios controlados pela Armija, o seu Exército.
Em 2004, o extinto Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ), uma instância judicial 'ad hoc' da ONU com sede em Haia, determinou que os crimes cometidos em Srebrenica em julho de 1995 constituíam genocídio, uma deliberação apoiada pelo Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), o principal órgão judicial das Nações Unidas, em 2007.
"O Tribunal estabeleceu para além de qualquer dúvida razoável que a morte de 7.000 a 8.000 prisioneiros muçulmanos bósnios foi genocídio", anunciou na ocasião o TPIJ.
Posteriormente, a justiça internacional condenou diversos altos responsáveis sérvios bósnios, incluindo os líderes político e militar, Radovan Karadzic e Ratko Mladic, ambos a cumprir prisão perpétua.
Entre os patrocinadores da resolução constam os Estados Unidos e Reino Unido, juntamente com muitos países da União Europeia (UE) e da Organização de Cooperação Islâmica (OCI), para além de todos os países que integravam a ex-Jugoslávia, à exceção da Sérvia e da Republika Srpska (RS), a entidade sérvia da Bósnia-Herzegovina.
"A pressão que enfrentamos (...) é enorme", afirmou o chefe da diplomacia sérvia, Marko Djuric, citado no comunicado do ministério.
"Opusemo-nos a esta forma de injustiça, do estabelecimento artificial da hierarquia entre as vítimas, onde as vítimas sérvias e outras não seriam comemoradas de forma adequada e à Sérvia seria colada uma etiqueta", prosseguiu.
Marko Djuric também advertiu que a resolução vai originar "contendas entre os vizinhos balcânicos ao abrir velhas feridas".
Em resposta, e caso seja aprovada, Belgrado já admitiu apresentar resoluções sobre alegados genocídios contra os sérvios pela Alemanha nazi e seus aliados croatas durante a Segunda Guerra Mundial, declarou recentemente o Presidente sérvio.
Para ser adotada, a resolução necessita do apoio de dois terços dos 193 países-membros da Assembleia-geral. Pelo facto de não passar no Conselho de Segurança da ONU, devido à previsibilidade dos vetos da Rússia e China, encarados como próximos aliados da Sérvia, não será vinculativa.
O documento que vai ser apresentado condena "qualquer negação do genocídio de Srebrenica" e ações que glorifiquem os condenados por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Também exorta os Estados-membros a "preservarem os factos estabelecidos, incluindo através dos seus sistemas de ensino".
A resolução também solicita ao secretário-geral da ONU, António Guterres, que estabeleça um programa com atividades e preparativos para o 30.º aniversário de Srebrenica, em 2025.
O povo sérvio ou a RS, a entidade sérvia da Bósnia-Herzegovina -- que integra o país com a Federação bósnia entre muçulmanos e croatas onde também prevalecem diversos focos de tensão --, não são mencionados no texto proposto.
Diversos ex-procuradores do TPIJ têm acusado a Sérvia e a RS de "ausência de coragem moral" por não reconhecimento da deliberação de genocídio em Srebrenica, ou das suas responsabilidades no conflito que conduziu à violenta desagregação da Jugoslávia a partir de 1991.
Ao reagir a este documento, o presidente da Republika Srpska (RS), Milorad Dodik, que sempre rejeitou o genocídio de Srebrenica, considerou que "consiste em provocações dos políticos bosníacos e seus patrocinadores no Ocidente" com o "objetivo de satanizar o povo sérvio".
Acrescentou ainda que a Bósnia-Herzegovina "poderá não sobreviver como um país unificado", argumentando que a adoção da resolução na ONU irá "apenas complicar as novas relações na Bósnia, até uma total disfunção".
Para a Sérvia, a aprovação do documento pela Assembleia-geral da ONU poderá implicar novos desafios, pelo facto de a liderança da Bósnia em Sarajevo, dominada pelos bosníacos, poder avançar com um novo processo por genocídio.
Em 2007, o TIJ deliberou não existirem provas suficientes para concluir que a Sérvia tem responsabilidade no genocídio, mas que falhou por não ter impedido que ocorresse.
Agora, e caso a resolução sobre Srebrenica seja aprovada na ONU, os líderes bosníacos poderão encontrar um terceiro país amigo para desencadear novo processo judicial contra Belgrado.
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