Prestes a deixar o cargo por questões de saúde, Martin Griffiths deu hoje a sua última conferência de imprensa em Nova Iorque, acompanhada pela Lusa, na qual lamentou sair "com uma sensação de trabalho por cumprir, porque o mundo é hoje um lugar pior" do que quando iniciou funções, em 2021.
"Neste momento, temos cerca de 300 milhões de pessoas a precisar de assistência humanitária ao redor do mundo (...) e temos apenas 17% dos nossos programas financiados", lamentou.
"E a impunidade que acompanha a disposição humana de pegar em armas para resolver divergências também nunca foi tão grande", criticou ainda o líder do Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).
Manifestando orgulho por estar em contacto com trabalhadores humanitários em todo o mundo, e em vários teatros de conflito, Griffiths sublinhou que nunca o pessoal humanitário correu tantos riscos como agora e que, mesmo assim, "não desistem".
"Nunca pedimos ao nosso pessoal no terreno que assumisse tantos riscos, seja no Darfur, seja em Gaza, seja na Ucrânia, seja em qualquer outro lugar. Pedimos-lhes que façam cada vez mais e assumam cada vez mais riscos. E estamos a fazer isso num momento de impunidade. Olhem para a impunidade. É desenfreada", frisou.
Numa retrospetiva dos vários conflitos que acompanhou desde 2021 e dos locais com mais necessidades humanitárias pelos quais passou, Griffiths referiu o Tigray e o Afeganistão, o Iémen e a Ucrânia, mas foram o Sudão e Gaza que retiveram os maiores alertas.
"No Sudão, estamos desesperadamente preocupados com El Fasher, com 800 mil civis em risco. A situação humanitária piorou. É um lugar onde dois homens decidiram que iriam resolver as suas divergências através da luta e derrubar o seu país", disse, criticando as lideranças por colocarem as suas populações em risco.
"É muito provável que tenhamos até cinco milhões de sudaneses em risco de fome, quando o próximo relatório for publicado, o que acontecerá nas próximas semanas. Acho que nunca tivemos números tão elevados e isso era evitável", reforçou.
O conflito no Sudão entre o exército e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF), que evoluiu para a guerra a 15 de abril do ano passado, já causou a morte a cerca de 15 mil pessoas e obrigou 8,6 milhões de sudaneses a abandonarem o país, empurrando outros 18 milhões para uma situação de fome, de acordo com os dados das Nações Unidas.
Sobre Gaza, o enclave palestiniano devastado por uma guerra entre Israel e o grupo islamita Hamas, Griffiths afirmou que a ONU não tem capacidade para prestar assistência humanitária aos palestinianos em Rafah, no sul de Gaza, e na área central do enclave.
Também sublinhou que a quantidade de ajuda que entra na Faixa de Gaza continua a ser totalmente insuficiente e apelou à abertura de mais passagens.
Sobre o pós-guerra, o líder humanitário reiterou que a governação e a segurança da Gaza devem estar sob controlo palestiniano.
"Deve estar centrado na Autoridade Palestiniana e na sua administração", disse Martin Griffiths aos jornalistas em Nova Iorque.
Quanto ao papel da ONU, Griffiths avaliou que as Nações Unidas continuarão a ter um papel central na prestação de ajuda e na mobilização do sistema de reconstrução.
Já em relação a questões de governação e segurança, o líder do OCHA disse não ter a certeza sobre "qual o papel que a ONU teria nessas duas áreas", mas considerou "delirante" a ideia de enviar "capacetes azuis" para o enclave.
"Mas acredito naquilo que já foi dito publicamente pelo subsecretário-geral para Operações de Paz, Jean Pierre Lacroix, de que a ideia de ter forças de manutenção da paz da ONU em Gaza é delirante", advogou.
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