Condenado no julgamento do Vaticano por fraude financeira queixa-se à ONU

Um dos condenados no grande julgamento de fraude financeira no Vaticano queixou-se formalmente à Organização das Nações Unidas (ONU) por o Papa Francisco violar os seus direitos humanos ao autorizar uma ampla vigilância durante a investigação.

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Lusa
20/06/2024 06:45 ‧ 20/06/2024 por Lusa

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Um advogado de Raffaele Mincione, um financeiro instalado em Londres, submeteu a queixa na semana passada ao Alto-Comissariado das ONU para os Direitos Humanos, através de um processo especial que autoriza indivíduos ou grupos a fornecer à ONU informação sobre alegadas violações de direitos em países ou instituições.

Esta queixa é a mais relevante sobre o julgamento do Vaticano, ilustrando a peculiaridade do sistema de justiça criminal do Vaticano e da sua aparente incompatibilidade com as normas europeias e democráticas.

O Vaticano é uma monarquia absoluta onde o papa tem o poder supremo nos campos legislativo, executivo e judicial.

O julgamento, que começou em 2021 e acabou em dezembro, focou-se nas perdas de 350 milhões de euros registadas pela Santa Sé em investimentos no imobiliário londrino.

Os procuradores do Vaticano alegaram que os intermediários e representantes do Vaticano espoliaram a Santa Sé em dezenas de milhões de euros em custos e comissões, e depois extorquiram-na em mais 15 milhões de euros, para lhe cederem o controlo dos bens.

O julgamento acabou em dezembro com a condenação de nove dos 10 acusados, incluindo Mincione e o ex-poderoso cardeal Angelo Becciu.

As razões da condenação ainda não foram divulgadas, mas tanto os procuradores do Vaticano como os advogados dos nove condenados já anunciaram que vão recorrer.

A queixa de Mincione à ONU focou-se no papel do papa durante as investigações, uma área classificada como problemática pelos advogados de defesa durante o julgamento e peritos externos depois.

A base da queixa consiste em quatro decretos executivos secretos assinados pelo papa em 2019 e 2020 que davam poderes alargadas aos procuradores do Vaticano para investigarem, incluindo escutas sem controlo e práticas fora da lei.

Os decretos só vieram a ser conhecidos antes do julgamento, nunca foram publicados, não adiantaram qualquer justificação e quadro temporal para a vigilância nem mencionaram qualquer controlo das escutas opor um juiz independente.

O procurador-chefe argumentou que os decretos de Francisco deram "garantias", não especificadas, aos suspeitos, e os juízes rejeitaram na altura as moções da defesa, em que esta considerava que os decretos violavam os direitos fundamentais dos acusados a um julgamento justo.

Em uma decisão, de algum modo complicada, os juízes decidiram que não tinha ocorrido qualquer violação do princípio da legalidade desde que Francisco assinou os decretos.

A queixa de Mincione também alega que o tribunal não é independente ou imparcial, ao que o Vaticano já tinha rejeitado. Francisco pode contratar e despedir juízes e procuradores, bem como decidir remunerações, pensões e duração dos mandatos.

Não está claro o que é que a ONU pode fazer com a queixa, se é que pode fazer alguma coisa.

Esta sua agência, sedeada em Genebra, tem peritos, ou relatores especiais, para monitorizarem áreas específicas de direitos humanos, incluindo a judicial e a independência de juízes e advogados.

Queixas anteriores sobre o Vaticano ou a Igreja Católica, por abuso sexual de menores e discriminação da comunidade LGBTQ+, resultaram em cartas do relator especial da ONU ao embaixador do Vaticano na ONU em Genebra, a listar problemas e a reclamar respostas e mudanças.

Mincione também já tentou envolver o Conselho da Europa (CdE) no caso, uma vez que a Santa Sé está sujeita a análises periódicas previstas no processo Moneyval, do CdE, para prevenir lavagem de dinheiro.

Em Janeiro, um representante do Reino Unido inquiriu o CdE sobre a possibilidade de analisar a situação dos direitos humanos no Vaticano, dado o resultado do julgamento.

O presidente da assembleia do CdE esquivou-se ao solicitado.

Leia Também: Papa defende em encontro com humoristas que "é possível rir de Deus"

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