A cimeira, a decorrer entre terça e quinta-feira na capital norte-americana e que irá assinalar o 75.º aniversário da NATO, tem desde já uma marca "menos positiva", quando os aliados se confrontarem com um Presidente dos Estados Unidos que "recebe os outros chefes de estado e de governo algo debilitado", observou Martins da Cruz em declarações à Lusa.
O antigo diplomata, que foi embaixador na NATO nos anos 90 e depois chefe da diplomacia portuguesa (2002-2003), aludia às notórias dificuldades do Presidente norte-americano, Joe Biden, no debate televisivo que travou no final de junho com o adversário republicano Donald Trump, na disputa presidencial em novembro deste ano e que será outro tema dominante da cimeira de alto nível.
Ao longo do último ano, Donald Trump declarou que não pretende manter o apoio à Ucrânia e, há alguns meses, sugeriu que encorajaria a Rússia a "fazer o que raio quisesse" com os países aliados que não cumpram as quotas de gastos com defesa.
Segundo o antigo governante e atual presidente do conselho de administração da Oeiras Valley Investment Agency, a reunião em Washington terá a pairar a possibilidade do regresso do republicano à Casa Branca, a par dos laços transatlânticos, a que a guerra na Ucrânia veio dar uma nova relevância.
"O conflito na Ucrânia veio demonstrar que, cada vez mais, a defesa e a segurança de muitos países europeus depende da Aliança Atlântica e do apoio dos Estados Unidos", alerta.
E este é o caso concreto de Portugal: "A nossa defesa e a nossa segurança estão garantidas porque nós fazemos parte da NATO e estão garantidas porque os Estados Unidos assim o garantem", segundo o antigo embaixador, que considera ser inevitável, na próxima cimeira, a abordagem do "reforço do papel" de Washington de modo a "assegurar a capacidade de dissuasão dos estados europeus".
Martins da Cruz recorda que, nos últimos anos, a organização tem dedicado muita da sua atenção a regiões fora do seu espaço primordial de intervenção, no Atlântico norte, mas a invasão russa da Ucrânia "está a fazer retornar a NATO para preocupações europeias e isso é obviamente um problema que tem de ser sublinhado", insistindo na relevância da escolha do futuro líder da Casa Branca.
"Podem os Estados Unidos continuar a garantir a segurança e a defesa da Europa?", questiona o ex-chefe da diplomacia portuguesa, ao apontar uma das principais inquietações dos aliados europeus, de modo a "garantir que os laços transatlânticos se mantêm tal como eles estão agora, tal como estiveram durante a Guerra Fria".
Em simultâneo, Martins da Cruz duvida que a proposta do secretário-geral cessante, o norueguês Jens Stoltenberg, de apoio financeiro a longo prazo à Ucrânia, no valor de 40 mil milhões de euros anuais, seja acolhida, devendo manter-se o modelo de ajuda a Kiev a nível bilateral de cada aliado.
Permanece também a dúvida sobre a capacidade da União Europeia em acomodar as necessidades em defesa apontadas pela presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, de 500 mil milhões de euros na próxima década, bem como a fasquia mínima de uma despesa de 2% de cada aliado da NATO.
Este compromisso de gastos em defesa, que foi assumido há mais de uma década, deverá voltar à mesa das discussões em Washington, depois de ter sido reafirmado na última cimeira, em julho de 2023 em Vílnius.
No entanto, apenas 23 dos 32 estados-membros da Aliança, de acordo com Stoltenberg, deverão atingir esta meta até ao fim do ano, e um deles não será Portugal, que só o prevê em 2030, contra a posição muito mais adiantada dos países próximos do conflito ucraniano, a começar pela Polónia, que já investe mais do dobro.
Além da sua fronteira leste, o antigo governante observa que a NATO "tem também de olhar para a sua vizinhança a sul, ou seja, o norte de África, o Magrebe e o Médio Oriente, onde neste momento há um conflito", referindo-se ao confronto que eclodiu em 07 de outubro entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas na Faixa de Gaza e que desestabilizou toda a região.
Sobra ainda a China e mais incertezas a pender sobre as prioridades dos Estados Unidos, caso se torne, na leitura de Washington, numa ameaça a prazo, ou outro país asiático, como a Coreia do Norte.
Esse cenário colocaria problemas adicionais aos aliados europeus, na medida em que levantaria a questão "se os Estados Unidos continuam ou não disponíveis para garantir a defesa e a segurança da Europa ou passam a virar as suas maiores atenções para a região do Pacífico e do Índico".
A par de um Presidente norte-americano debilitado, a cimeira de Washington vai receber outros líderes fragilizados, em representação de algumas das principais potências da Aliança.
É o caso do Presidente francês, Emmanuel Macron, que convocou eleições antecipadas no seguimento do mau desempenho do seu partido nas eleições europeias, em junho passado, que também castigaram a coligação liderada pelo chanceler alemão, Olaf Scholz.
"É evidente que há alguns chefes de estado e de governo que estão mais fragilizados", avalia o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, embora, pela sua experiência, apesar de todos terem consciência dessa circunstância, "são eles que representam o país aliado em volta da mesa e, portanto, como tal, são respeitados e participam plenamente e alguns até ativamente, como presumivelmente será o caso da França".
Em suma, "uma coisa é o que a opinião pública pensa de um chefe de estado ou de governo fragilizado, outra coisa é a força que tem à volta da mesa da cimeira", segundo o antigo embaixador na Aliança Atlântica.
De resto, António Martins da Cruz salienta que a vitória do Partido Trabalhista no Reino Unido "não põe de maneira nenhuma em causa" o compromisso de Londres com a NATO.
"Antes pelo contrário, o Reino Unido é fundador e muitas vezes desde 1949 para cá, com governos trabalhistas, nunca foi posta em causa a pertença à NATO, como potência nuclear que é e com uma das maiores e mais bem equipadas forças armadas europeias", comenta.
Quanto à França, a possibilidade de vitória do partido de extrema-direita União Nacional "põe em causa alguns aspetos da participação na União Europeia". No entanto, prossegue, "não põe em causa a participação na NATO".
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