Foi a maior troca de prisioneiros civis entre a Rússia e vários países do Ocidente desde o fim da Guerra Fria. Aconteceu na quinta-feira, com 26 pessoas a saírem em liberdade de prisões de sete países diferentes - Estados Unidos, Alemanha, Polónia, Eslovénia, Noruega, Rússia e Bielorrússia -, na sequência de uma operação coordenada pela Turquia.
Segundo as autoridades turcas, 10 presos, incluindo dois menores, foram transferidos para a Rússia, 13 viajaram para a Alemanha e três seguiram para os Estados Unidos.
Os jornalistas Evan Gershkovich e Alsu Kurmasheva e o antigo fuzileiro Paul Whelan chegaram aos EUA na noite de quinta-feira e foram recebidos por Joe Biden e Kamala Harris e pela família e amigos na base militar de Andrews, perto de Washington - um momento emocionante que pode ver na galeria de imagens:
O presidente dos EUA, Joe Biden, garantiu que esta troca foi "um feito diplomático" e agradeceu ao homólogo turco, Recep Tayyip Erdogan, pela sua intervenção.
"No total, negociámos a libertação de 16 pessoas da Rússia - incluindo cinco alemães e sete cidadãos russos que eram prisioneiros políticos no seu próprio país. Algumas destas mulheres e homens estiveram detidos injustamente durante anos. Todos passaram por um sofrimento e uma incerteza inimagináveis. A sua agonia terminou", escreveu Biden num comunicado publicado no site da Casa Branca.
O chanceler alemão, Olaf Scholz, também recebeu dois aviões, oriundos de Ancara, com a maioria dos 16 prisioneiros libertados a bordo, no aeroporto de Colónia, na Alemanha.
"Foi muito comovente", frisou Olaf Scholz aos jornalistas, após um encontro com os presos libertados que decorreu à porta fechada porque "muitos não esperavam" que a libertação acontecesse agora e "ainda estão cheios de emoções por finalmente se encontrarem livres". "Muitos temiam pela sua saúde e também pelas suas vidas, deve ser dito", apontou ainda o chanceler alemão.
Por sua vez, o presidente russo, Vladimir Putin, recebeu os oito cidadãos russos libertados no aeroporto de Vnukovo, em Moscovo.
Putin cumprimentou um a um os prisioneiros libertados, com quem mais tarde se encontrou num evento privado no edifício do aeroporto, onde chegaram de Ancara, onde ocorreu a troca. Vadim Krasikov foi o primeiro a ser abraçado ao pé da escada do avião.
"Gostaria de os felicitar, muito obrigado", sublinhou depois, agradecendo em particular aos que servem no Exército russo "pela sua lealdade" e prometendo que todos receberão medalhas estaduais.
Putin concedeu perdão oficial aos 13 prisioneiros libertados
O presidente russo assinou os decretos de indulto das penas de Evan Gershkovich, Paul Whelan, Oleg Orlov, Lilia Tchanycheva, Ksenia Fadeeva, Vladimir Kara-Murza, Ilia Iachine, Alexandra Skotchilenko, Alsu Kurmasheva, Andrei Pivovarov, Vadim Ostanine, Demouri (Dieter) Voronine e Kevin Lick, segundo um comunicado emitido pelo Kremlin.
A presidência russa agradeceu ainda aos governos estrangeiros que contribuíram para que esta troca fosse possível.
"Alívio" ou "mau acordo"? As reações à troca de prisioneiros entre Rússia e Ocidente
O alto comissariado da ONU para os Direitos Humanos, a NATO e a União Europeia (UE), Volker Türk, expressou "alívio após a libertação" dos prisioneiros. "Todos os jornalistas e defensores dos direitos detidos apenas por fazerem o seu trabalho devem ser libertados. Devem poder trabalhar com toda a segurança, sem medos", pode ler-se numa nota.
O ex-presidente norte-americano Donald Trump criticou, por sua vez, a troca de prisioneiros com 'farpas' a Biden.
"É engraçado porque nunca fazemos bons acordos, em nada, muito menos quando se trata de troca de reféns. Os nossos negociadores são sempre uma vergonha para nós", sublinhou o magnata, numa mensagem na sua rede social, a Truth Social, exigindo ainda que fossem revelados "os detalhes" da troca de prisioneiros, assim como o número de pessoas entregues à Rússia e se foi pago dinheiro a Moscovo pela troca.
Já o antigo presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, comentou de forma polémica a troca de prisioneiros: "Gostaria, evidentemente, que os traidores da Rússia apodrecessem ou morressem na prisão, como já aconteceu muitas vezes. Que os traidores arranjem novos nomes e se disfarcem ativamente no âmbito de proteção de testemunhas", escreveu numa mensagem partilhada no Telegram.
A família de Gershkovich reagiu à sua libertação, realçando que mal podiam esperar "para lhe dar o maior abraço", após uma espera de "491 dias".
Ella Milman, Mikhail Gershkovich (pais) e Danielle Gershkovich (irmã) apontaram ainda que "nenhuma família deveria ter de passar por isto", tendo partilhado o momento de "alívio e alegria" do reencontro com as famílias de Paul e Alsu.
Também o Wall Street Journal escreveu, numa carta publicada no site do jornal, que este "é um dia de alegria para os milhões de simpatizantes nos EUA e em todo o mundo que estiveram ao lado de Evan e defenderam a imprensa livre".
Quem são os prisioneiros que foram libertados?
Entre eles, contam-se jornalistas, ativistas políticos veteranos e simples opositores à guerra na Ucrânia. O mais novo tem 19 anos e o mais velho 71.
Entre os russos detidos no Ocidente encontravam-se alegados agentes 'adormecidos' que tinham uma vida dupla, condenados por pirataria informática e um foi detido pelo assassínio a tiro de um homem durante o dia, num parque de Berlim.
Libertados pela Rússia e Bielorrússia
Evan Gershkovich
Repórter do Wall Street Journal, foi detido na cidade russa de Ecaterimburgo em março de 2023. Sem apresentar provas, as autoridades acusaram-no de "recolher informações secretas" a mando da CIA sobre uma fábrica de equipamento militar - uma alegação que Gershkovich, o seu empregador e o governo dos EUA negaram veementemente. Preso desde então, um tribunal condenou Gershkovich, 32 anos, por espionagem em julho, após um julgamento à porta fechada, e sentenciou-o a 16 anos de prisão.
Paul Whelan
Um executivo de segurança empresarial do Michigan, foi detido em 2018 em Moscovo, onde assistia ao casamento de um amigo. Foi acusado de espionagem, condenado em 2020 e sentenciado a 16 anos de prisão. Whelan, de 54 anos, rejeitou as acusações como sendo fabricadas.
Alsu Kurmasheva
Com dupla nacionalidade, norte-americana e russa, foi detida em 2023 na sua cidade natal, Kazan, onde estava a visitar a mãe doente. A editora, baseada em Praga, do serviço Tatar-Bashkir da Radio Free Europe/Radio Liberty, financiado pelo Governo dos EUA, foi acusada de não se apresentar como "agente estrangeira" e foi condenada em julho por divulgar informações falsas sobre os militares russos - acusações rejeitadas pela sua família e pelo seu empregador. Kurmasheva, de 47 anos, foi condenada a 6 anos e meio de prisão.
Vladimir Kara-Murza
Cidadão russo com dupla nacionalidade e proeminente político da oposição, foi detido em 2022, depois de ter criticado a guerra na Ucrânia que tinha começado semanas antes. Foi condenado em 2023 por traição e outras acusações e sentenciado a 25 anos de prisão num processo que apelida de politicamente motivado. Colunista do The Washington Post, Kara-Murza, 42 anos, foi galardoado com o Prémio Pulitzer este ano. Adoeceu em 2015 e 2017 devido a dois envenenamentos quase fatais que atribui ao Kremlin. A sua mulher e os seus advogados afirmam que a sua saúde se está a deteriorar na prisão em resultado dos envenenamentos.
Ilya Yashin
É um proeminente crítico do Kremlin que estava a cumprir uma pena de oito anos e meio por ter criticado a guerra da Rússia na Ucrânia. Yashin, antigo membro de um conselho municipal de Moscovo, foi um dos poucos conhecidos ativistas da oposição a permanecer na Rússia desde a guerra.
Andrei Pivovarov
Tem 42 anos e dirigia o grupo de oposição Open Russia, que as autoridades proibiram em 2021. Foi retirado de um voo e detido nesse mesmo ano. Em 2022, foi condenado por realizar atividades de uma organização "indesejável" e sentenciado a quatro anos de prisão.
Oleg Orlov
Um veterano defensor dos direitos humanos, foi condenado por desacreditar os militares russos e sentenciado a dois anos e meio de prisão em fevereiro pelos seus protestos contra a guerra na Ucrânia. Orlov, 71 anos, é copresidente do grupo de direitos humanos Memorial, galardoado com o Prémio Nobel da Paz.
Sasha Skochilenko
Tem 33 anos, foi condenada a sete anos de prisão em novembro de 2023 por ter substituído várias etiquetas de preço num supermercado por slogans contra a guerra.
Ksenia Fadeyeva, Lilia Chanysheva e Vadim Ostanin
São antigos coordenadores dos gabinetes regionais da falecida figura da oposição Alexei Navalny. Foram detidos depois de a rede política de Navalny ter sido ilegalizada em 2021 e posteriormente condenados por extremismo. Fadeyeva, 32, e Ostanin, 47, foram condenados a nove anos de prisão cada, e Chanysheva, 42, recebeu uma pena de nove anos e meio.
Kevin Lik
Tem 19 anos, com dupla nacionalidade russo-alemã, foi detido no sul da Rússia em fevereiro de 2023 e acusado de tirar fotografias a uma unidade militar e de as enviar a um "representante de um Estado estrangeiro". Os funcionários do tribunal afirmaram que ele se opunha à guerra na Ucrânia. Foi condenado por traição e sentenciado a quatro anos de prisão, tendo os defensores dos direitos humanos afirmado que Lik, que tinha 17 anos na altura da sua detenção, era a pessoa mais jovem a ser condenada por esse crime.
Rico Krieger
Um trabalhador médico alemão, foi condenado na Bielorrússia por acusações de terrorismo em junho e sentenciado à morte. Foi indultado na terça-feira pelo Presidente autoritário Alexander Lukashenko.
Demuri Voronin
Com dupla nacionalidade russo-alemã, é um analista político que dirigia uma empresa de consultoria que alegadamente colaborava com jornalistas. Foi detido em 2021, condenado por traição em 2023 e sentenciado a 13 anos e três meses de prisão. Foi implicado no processo de traição de Ivan Safronov, que alegadamente lhe transmitiu informações sobre as atividades militares russas, que Voronin terá depois dado aos serviços secretos alemães.
Patrick Schoebel
De nacionalidade alemã, foi detido em fevereiro de 2024 no aeroporto de Pulkovo, em São Petersburgo, quando foram alegadamente encontradas na sua posse gomas que continham uma componente psicoativa da canábis. Estava detido desde então, acusado de tráfico de droga.
German Moyzhes
De dupla nacionalidade russo-alemã, é um advogado especializado em migração que ajudou russos a candidatarem-se a autorizações de residência na União Europeia. Foi detido em maio em São Petersburgo e alegadamente acusado de traição, mas pouco mais se sabe sobre o seu caso.
Libertados pelo Ocidente
Vadim Krasikov
Foi condenado em 2021 por ter morto a tiro Zelimkhan "Tornike" Khangoshvili, um cidadão georgiano de 40 anos, de etnia chechena, num parque de Berlim. Os juízes alemães concluíram que se tratou de um assassínio ordenado pelos serviços de segurança russos. Krasikov, de 58 anos, foi condenado a prisão perpétua. O Presidente russo, Vladimir Putin, sugeriu este ano uma possível troca por Krasikov.
Pavel Rubtsov
Foi detido na Polónia sob a acusação de espionagem. É uma das várias pessoas detidas na Polónia sob a alegação de espionagem a favor da Rússia desde a invasão da Ucrânia.
Roman Seleznev
Filho de um legislador russo, foi condenado nos Estados Unidos em 2017 por pirataria informática em mais de 500 empresas e roubo de milhões de números de cartões de crédito, que depois vendeu em sítios Web. Seleznev, um cidadão russo, foi condenado a 27 anos de prisão e a pagar quase 170 milhões de dólares em restituição às suas vítimas.
Vladislav Klyushin
Um rico homem de negócios com ligações ao Kremlin, foi condenado em Boston em 2023 por acusações que incluíam fraude eletrónica e fraude de valores mobiliários num esquema de quase 100 milhões de dólares que se baseava em informações secretas sobre rendimentos roubadas através da pirataria de redes informáticas dos Estados Unidos. Klyushin, 43 anos, que teria embolsado pessoalmente 33 milhões de dólares no esquema, foi condenado a nove anos de prisão. Foi detido na Suíça e extraditado para os EUA em 2021.
Vadim Konoshchenok
Um suposto oficial do Serviço de Segurança Federal da Rússia, foi extraditado da Estónia para os Estados Unidos no ano passado para enfrentar acusações de contrabando de munições e tecnologia de dupla utilização para ajudar na guerra de Moscovo na Ucrânia. Os procuradores norte-americanos afirmam que foi detido em 2022 quando tentava regressar da Estónia à Rússia com cerca de três dúzias de tipos de semicondutores e componentes eletrónicos.
Artem Dultsev e Anna Dultseva
Um casal russo detido sob a acusação de espionagem em Liubliana, Eslovénia, em 2022. Declararam-se culpados na quarta-feira e foram condenados a 19 meses de prisão, tendo sido libertados com base no tempo de serviço. Fazendo-se passar por cidadãos argentinos, o casal terá usado a Eslovénia como base desde 2017 para viajar para países vizinhos e transmitir as ordens de Moscovo a outros agentes adormecidos russos. Têm dois filhos.
Mikhail Mikushin
Foi detido na Noruega em 2022, acusado de espionagem. A agência de segurança interna da Noruega, PST, afirmou que Mikushin entrou no país dizendo ser cidadão brasileiro. Segundo os investigadores noruegueses, Mikushin estava na Noruega sob uma identidade falsa enquanto trabalhava para um serviço de informações russo.
Navalny seria libertado. "Finalmente aconteceu, mas sem Navalny"
O aliado do principal opositor russo, Leonid Volkov, deu conta de que a troca de prisioneiros deveria ter incluído o ativista, que morreu em fevereiro, enquanto cumpria uma pena de prisão no Ártico.
"Agora, já podemos dizer: Sim, esta é a mesma troca em que, como esperávamos, Alexei Navalny deveria ter sido libertado em fevereiro deste ano. [Mas] Putin decidiu 'virar o tabuleiro' e não iria desistir de Navalny por nada. Matou-o literalmente dois dias antes de a troca poder ter lugar", denunciou Volkov numa publicação na rede social X (antigo Twitter).
O conselheiro para a segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, confirmou que se trabalhou por um acordo que teria incluído Alexei Navalny. "Infelizmente, ele morreu", declarou.
Por sua vez, a viúva de Navalny, Yulia Navalnaya, reagiu à troca de prisioneiros, salientando que é "uma alegria vê-los todos fora do cativeiro" e "a salvo do regime" de Putin.
"Cada prisioneiro político libertado é uma grande vitória e um motivo para celebrar. Ninguém deve ser mantido refém por Putin, sujeito a tortura ou deixado a morrer nas suas prisões", escreveu no X.
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