"A relação bilateral é sobretudo dominada por segmentos da direita brasileira, por conta do agronegócio, que internamente apoia [Jair] Bolsonaro, mas mantém uma contradição: de manhã ganham dinheiro com a China e, de noite, criticam os 'comunistas chineses'", descreveu Evandro Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil -- China, da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, em declarações à agência Lusa.
O Governo de Lula da Silva coincidiu com um Congresso brasileiro dominado por forças da direita conservadora, apoiada pelos grupos agrícolas e pecuários, que mantêm uma posição ideológica assumidamente anti-China, apesar de serem os principais beneficiários do comércio entre os dois países.
"É esse setor que predomina e domina a agenda bilateral, porque a esquerda brasileira não tem uma relação desenvolvida com a China. Isso cria naturalmente obstáculos para o desenvolvimento de outras agendas", frisou Evandro Carvalho, que é também pesquisador visitante da Universidade de Pequim.
Em entrevista à Lusa, o investigador admitiu que houve "alguns avanços" na relação, desde o regresso ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, após um período "muito mau" com Bolsonaro, que assumiu o poder com a promessa de reformular a política externa brasileira, reaproximando-se dos Estados Unidos e pondo em causa décadas de aliança com o mundo emergente.
"Mas eu acho que a relação continua aquém do seu potencial", ressalvou.
Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, com o comércio bilateral a passar de nove mil milhões de dólares (8,3 mil milhões de euros), em 2004, para 157,5 mil milhões (144 mil milhões de euros), em 2023. O Brasil desempenha, em particular, um papel importante na segurança alimentar da China, compondo mais de 20% das importações agrícolas e pecuárias do país asiático.
Mas Carvalho destacou a "distância" que Brasília mantém face a importantes programas da política externa chinesa, incluindo a Iniciativa Faixa e Rota, designada pelo líder chinês, Xi Jinping, como o "projeto do século". Na última década, a Faixa e Rota adquiriu dimensão global, à medida que mais de 150 países em todo o mundo aderiram ao megaprojeto internacional de infraestruturas, incluindo quase todas as nações da América Latina, com exceção do Brasil, Colômbia e Paraguai.
As empresas chinesas construíram portos, estradas, linhas ferroviárias, centrais elétricas e outras infraestruturas em todo o mundo, numa tentativa de impulsionar o comércio e o crescimento económico. O programa cimentou também o estatuto da China como líder e credora entre os países em desenvolvimento.
O Brasil tem, no entanto, enviado apenas diplomatas de baixo escalão para participar nos fóruns em Pequim, contrastando com vários dos seus países vizinhos, que se fizeram representar por chefes de Estado ou de Governo.
Outro exemplo é o Fórum Macau, o mecanismo multilateral promovido pela China para reforçar as trocas económicas e comerciais com os países de língua portuguesa, e onde Brasília se mantém "relativamente pouco ativa", disse o académico.
"O Brasil mantém um certo distanciamento desses projetos que percebe como tendo muito a marca da China", observou.
Evandro Carvalho defendeu que o Brasil deve desenvolver o potencial da relação de forma a beneficiar-se para além do comércio de matérias-primas, através da transferência de tecnologia em áreas em que a China lidera, incluindo nos setores das renováveis, carros elétricos ou economia digital.
"A China poderia ser um parceiro formidável para o Brasil desenvolver capacidades", vincou.
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