O contraste entre Kamala Harris e Donald Trump começou na apresentação: "vamos fazer um bom debate", pediu a democrata para o frente a frente presidencial norte-americano com o republicano, cuja estratégia envolvia inferiorizá-la.
Depois de ter alcançado, no anterior debate presidencial com o Presidente dos Estados Unidos, uma vitória clara que acabou por levar os democratas a substituir Joe Biden por Harris, Trump esforçou-se, na terça-feira e quase desde início do frente-a-frente em Filadélfia, por não só colar a rival às "políticas falhadas" da atual administração, mas por subalternizá-la dentro desta.
Constantes comparações com Joe Biden
"O patrão dela", foi como Trump se referiu por diversas vezes a Joe Biden, "o pior Presidente da história" dos Estados Unidos, obrigando Harris a interpelá-lo: "É importante recordar o ex-presidente de que não está a concorrer contra Joe Biden, está a concorrer contra mim".
Embora tenha defendido muitas das políticas da atual administração, Harris procurou falar sobretudo dos planos para o futuro -- cortes fiscais para apoiar famílias e pequenas empresas, apoio à construção de habitação para baixar os custos do imobiliário, entre outros - e assim oferecer um contraste em relação ao que seria "voltar ao passado" de Trump.
"Não vamos voltar para trás", exclamou a candidata democrata, numa frase que se tornou numa assinatura da campanha.
Harris agressiva vs. Trump impassível
Para Harris, que as sondagens demonstraram ser muito menos conhecida do que Trump, o desafio em Filadélfia era dar-se a conhecer de modo favorável, e na declaração de encerramento fez questão de dizer que, ao longo da carreira, o único "patrão" foi "o povo" primeiro como procuradora, depois como senadora e agora como vice-presidente.
Procurando explorar a seu favor o desconhecimento de Harris - que foi uma discreta vice-presidente - Trump rotulou-a de "marxista" e de querer copiar políticas de Biden.
Tendo também como desafio contrastar o seu desempenho com o de Biden no anterior debate, Harris mostrou-se agressiva nas intervenções e atenta e reativa durante as de Trump.
Ciente de que a televisão muitas vezes mostra os candidatos em ecrã dividido, a democrata aproveitou a oportunidade para abanar a cabeça em desacordo quando Trump falava, para levantar as sobrancelhas em surpresa ou para semicerrar os olhos, simulando tentar acompanhar a argumentação, por vezes confusa, do magnata.
Já Trump manteve-se sobretudo impassível e, em algumas ocasiões, sorriu sarcasticamente e continuou os ataques mesmo quando os microfones foram silenciados, conforme testemunhou um pequeno grupo de repórteres, autorizado a permanecer no local.
À medida que o debate foi avançando, Trump mostrou-se mais agitado na resposta às provocações da vice-Presidente e na repetição de uma série de falsas afirmações: 33 contra uma de Harris, numa contagem do canal de televisão CNN.
Imigração, derrota em 2020 e a tentativa de assassinato
Trump foi também desmentido em direto pelo moderador David Muir, depois de alegar que imigrantes ilegais estavam a comer animais de estimação.
Muir protagonizou também um dos momentos de maior fragilidade de Trump durante o debate, quando o confrontou com afirmações recentes de que perdeu as eleições "por um triz", quando no passado o ex-presidente sempre rejeitou a derrota em 2020.
Donald Trump alegou que aquela referência "foi sarcástica" e reiterou não ter perdido as eleições, mesmo depois de todos os processos por fraude eleitoral que os republicanos apresentaram em vários estados terem sido rejeitados por falta de provas.
As atribulações do passado recente norte-americano emergiram em relação às eleições e ao assalto ao Capitólio, por apoiantes de Trump, com a candidata democrata a alternar a responsabilização do ex-presidente com uma mensagem de "virar a página" e de confiança no futuro.
Subindo o tom, Trump aproveitou para responsabilizar os democratas pela tentativa de homicídio de que foi alvo em julho, ao defender ter sido a retórica de Harris e de outros democratas a alimentar o ataque.
"Provavelmente levei um tiro na cabeça por causa das coisas que dizem sobre mim", disse Trump, em resposta à alegação de Harris de que o republicano usaria o Departamento de Justiça como arma contra os inimigos políticos se fosse eleito.
Esforçando-se sempre por traçar contrastes, Harris apresentou-se como preocupada em dar resposta aos problemas dos norte-americanos, perante um Trump focado em problemas pessoais.
"Você não irá ouvi-lo falar dos seus problemas", disse a candidata democrata, que também procurou colar Trump ao passado. "Eu ofereço uma nova geração de líderes para o nosso país", proclamou.
Sediado pela rede ABC News, o debate decorreu no National Constitution Center, em Filadélfia, e foi regido pelas mesmas regras ditadas para o histórico debate de junho entre Trump e Biden, que acabou por desistir da corrida após um fraco desempenho nesse confronto.
Os jornalistas da ABC News David Muir e Linsey Davis moderaram o debate -- o único agendado até ao momento entre Trump e Harris, pelo que poderá ser a primeira e única vez que os eleitores verão os dois políticos num frente-a-frente antes da eleição geral.
O aperto de mãos entre os dois candidatos - iniciativa de Harris que se dirigiu ao púlpito de Trump - foi o primeiro num debate presidencial desde 2016.
As reações
As reações ao debate, seguem todas no mesmo sentido: Kamala Harris conseguiu 'encostar Trump a um canto'. O The New York Post refere que kamala Harris dominou o debate enquanto Trump se manteve na defensiva.
"Kamala Harris comandou o primeiro debate contra Donald J. Trump, exibindo as suas capacidades de procuradora para aproveitar todas as oportunidades de se colocar na pele do antigo presidente num confronto de visões e estilos que durou 90 minutos", escreve esta publicação.
O Washington Post refere que Harris ataca Trump no debate; e que ele respondeu com uma retórica inflamada.
Em Espanha o El Pais afirma que a democrata "encurralou" Trump num debate de alta tensão. Já francês Le Monde diz que o republicano passou "por dificuldades" durante o debate.
Por cá, a analista política Daniela Melo afirmou que a candidata presidencial democrata superou as expectativas com uma postura calma, ataques eficazes e a capacidade de colocar Donald Trump à defesa.
"Ela atirou-lhe o isco e ele mordeu sempre", afirmou a cientista política da Universidade de Boston
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