É um ambiente de celebração e alívio que se vive no Líbano nas primeiras horas após a implementação de um cessar-fogo entre o Líbano e Israel. O acordo entre os dois países foi aprovado também pelo Hezbollah, grupo financiado pelo Irão que iniciou uma ofensiva contra Israel há mais de um ano, em defesa da Faixa de Gaza.
Mas a paz é tensa e frágil e uma única questão paira no ar: será que o cessar-fogo vai ser respeitado?
Entre os vários termos do acordo, que se assemelha à Resolução das Nações Unidas 1701 adotada em 2006 após a última guerra entre o Hezbollah e Israel, está a retirada do Hezbollah para norte do rio Litani e o seu desarmamento, enquanto o exército libanês toma controlo do sul do Líbano.
É uma manobra complexa e extensa, nunca cumprida totalmente em 2006, ainda mais complicada pelo prazo de 60 dias experimentais para a implementação do recente acordo.
Heiko Wimmen, especialista no Líbano para o Crisis Group, um 'think-thank' focado em resolução de conflito, diz à Lusa que o curto prazo pode não ser suficiente para fazer face aos desafios logísticos e políticos envolvidos: "O acordo exige uma implementação rápida sob condições quase impossíveis. Qualquer coisa interpretada como uma violação poderia reacender as hostilidades, com Israel provavelmente a agir unilateralmente se estiver insatisfeito", disse.
Mais de um milhão de pessoas foram deslocadas devido aos bombardeamentos, enquanto as tropas israelitas ainda estao destacadas em várias vilas no sul.
Poucas horas antes da entrada em vigor do acordo, às 04:00 da manhã locais (02:00 em Lisboa), as estradas em direção ao sul do Líbano já estavam entupidas com residentes a caminho das suas casas ou o que sobrou delas.
Wimmen admite que Israel pode acusar o Hezbollah de utilizar o fluxo de civis que regressam para reintegrar secretamente combatentes ou transportar armas.
Ao anunciar o cessar-fogo, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, disse: "Se o Hezbollah violar o acordo e tentar re-armar - atacaremos. Se tentar reconstruir uma infraestrutura terrorista perto da fronteira - atacaremos. Se lançar um rocket, se escavar um túnel, se tiver um camião cheio de rockets - atacaremos".
Para evitar uma nova escalada de violência, torna-se clara a necessidade de mecanismos robustos de controlo e monitorização que recaem sobre o exército Libanês, diz o acordo.
Apesar do Hezbollah já ter dito que vai cooperar com as forças armadas, os desafios logísticos são imediatamente aparentes: uma onda de um milhão de retornados a cargo de um exército debilitado por anos de crise económica e de um ano de guerra.
"O Exército Libanês carece de recursos para supervisionar eficazmente a transição", disse à Lusa o analista. "Este é um exército onde um soldado ganha 100 dólares por mês, que enfrenta a escassez de combustível e equipamento insuficiente. Não é claro se conseguirão proteger a área de uma forma que satisfaça Israel ou garanta a estabilidade local", acrescentou.
Uma característica central do cessar-fogo é a criação de uma comissão de monitorização composta por representantes de várias partes interessadas, incluindo os Estados Unidos e a França.
No entanto, diz Wimmen, "a capacidade da comissão para julgar as queixas e fazer cumprir as suas conclusões é questionável". Será preciso que todos os países atuem com base no consenso, e não é claro como se irá proceder a implementação no terreno das decisões tomadas pelo comité.
Se o último ano de guerra provou alguma coisa, foi que nem Israel nem o Hezbollah demonstraram uma vontade consistente de cumprir a supervisão externa. Tendo em conta os laços do Hezbollah com o Irão e a ausência de representação iraniana na comissão "poderá ser um erro", no que toca a exercer influência sobre o grupo, diz Wimmen.
Simultaneamente, as operações israelitas prosseguem frequentemente com a aprovação tácita dos EUA, marginalizando potencialmente a autoridade da comissão.
No entanto, algo motivou os dois lados a chegarem a este acordo e se assim foi foi porque tanto o Hezbollah como Benjamin Netanyahu consideram ter mais a ganhar em baixar as armas do que em continuar o conflito, argumenta.
Do lado israelita, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfrenta o escrutínio nacional, investigado por corrupção, e internacional, sob mandato de captura do Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra.
O Líbano enfrenta também desafios internos, com uma economia do país ainda mais em ruínas, a ausência de um presidente, uma crise de deslocados em mãos e uma tarefa longa e custosa de reconstrução para a qual vai precisar de ajuda internacional.
O cessar-fogo pode também refletir dinâmicas regionais mais vastas, diz Wimmen. O Irão, o principal apoiante do Hezbollah, tem vindo a sinalizar abertura à diplomacia com os EUA no que toca a renovadas negociações nucleares. Além disso, a altura do acordo -- poucas semanas antes da transição para a nova administração dos EUA -- sugere que ambos os lados estão a posicionar-se para potenciais mudanças na política externa americana, assinala.
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