As temperaturas em Seul chegaram esta madrugada aos cinco graus negativos, mas ainda assim uma centena de pessoas manteve-se durante a noite à frente da Assembleia Nacional sul-coreana, em protesto contra a permanência de Yoon Suk-yeol na liderança do país.
Rhee Jane chegou já depois do trabalho, eram duas da manhã. Estava gelado, mas, diz, valeu o calor humano. Quem lá estava muniu esta estudante de Antropologia de tudo o que precisava: almofadas térmicas, cobertores, uma caixa de cartão desdobrável para se sentar e comida. O resto, afirma, não se pode trazer num bolso. "Estou aqui para participar na mudança", diz.
"Vai acontecer mais cedo ou mais tarde. Desde que as pessoas começaram a protestar contra a lei marcial, a mudança está em marcha", declara.
O Presidente, número um do Governo, sobreviveu no sábado a uma moção parlamentar de destituição por ter decretado, na terça-feira, a lei marcial, que acabou por suspender horas depois, por esta ter sido revogada pelo parlamento.
A destituição de Yoon exigia o apoio de dois terços da Assembleia Nacional, ou seja, 200 dos 300 deputados, mas apenas 195 participaram, sendo que o Partido do Poder Popular (PPP), no poder, boicotou a votação.
"Estes manifestantes estão a guardar o parlamento, estão a vigiar o parlamento e o Presidente", completa Rhee, notando que para hoje à tarde já estão agendados mais protestos. "Por isso vou manter aqui o meu lugar".
Esta manhã, à saída do metro da Assembleia Nacional, pouco fazia crer que a avenida Uisadang-daero tinha sido palco de maciças manifestações na noite anterior - mais de um milhão de participantes, de acordo com a organização, e 150 mil, segundo a polícia. Ruas limpas, transportes de novo a circular, apenas os cartazes continuam lá, a lembrar que o povo quer Yoon na rua.
Quem segue em direção ao parlamento vai começando a ouvir vozes de mulheres a gritar - Rhee diz mesmo que as mulheres jovens são quem mais está nesta luta.
Mas a Lusa fala agora com Lee Sun-dong, de 29 anos, trabalhador numa fábrica de baterias de carro e pela primeira vez numa manifestação. É uma das três dezenas de pessoas que ocupa esta manhã uma área à frente do parlamento. Também passou a noite fora de casa, mas o frio levou-o até uma sauna, onde permaneceu entre as duas e as nove da manhã.
"Não estou satisfeito com a atitude do Presidente e sinto desilusão com o que o PPP fez ontem [sábado]", assume. Lee acredita que o boicote foi uma forma de "manter este partido no poder".
"Abaixo Yoon", entoa um grupo de mulheres coladas às grades da entrada da Assembleia Nacional. Três ou quatro polícias ali perto mantêm a guarda.
"Quando vi as notícias achei que a polícia estaria do lado do PPP, mas ao participar, parecem-me divididos", diz.
Sondagens têm sugerido que a maioria dos sul-coreanos quer a destituição de Yoon, e, nas manifestações dos últimos dias, a Lusa não se cruzou com apoiantes do Presidente.
Uma investigação da Realmeter indicou esta semana que sete em cada dez sul-coreanos apoia a suspensão do exercício do poder do Presidente, que declarou a lei marcial para proteger a "ordem constitucional" contra "atividades anti-estatais" e "forças a favor da Coreia do Norte".
Rilakkuma, personagem ficcional japonesa e célebre aqui na Coreia do Sul também ali está em socorro da democracia, explica Jeong Seug-a, uma das jovens que reclama mudanças políticas. "Yoon, devias ir embora", lê-se num cartaz preso ao peluche.
"Tenho vergonha de mim mesma e não me quero arrepender de ficar em casa", diz a estudante de design de moda de 22 anos.
Os pais, assume, hesitaram em participar nos protestos. Também é por eles que aqui está.
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