As autoridades sírias anunciaram na semana passada um acordo com os grupos armados que integravam a coligação de grupos rebeldes liderada pela Organização de Libertação do Levante (Hayat Tahrir al Sham - HTS, em árabe) que derrubou o presidente Bashar al-Assad a 08 de dezembro, para a sua dissolução e integração no Ministério da Defesa.
As fações islamistas tomaram Damasco após menos de duas semanas de uma ofensiva relâmpago conduzida pela HTS, chefiada por Ahmed al-Sharaa, anteriormente conhecido pelo nome de guerra Abu Mohammad al-Jolani.
Após mais de meio século de domínio absoluto da família Assad, as novas autoridades esforçam-se por reestruturar o aparelho de Estado criado pelo antigo governo, cujo exército entrou em colapso.
Num decreto publicado no passado dia 29, o "Comando Geral" de Ahmed al-Sharaa indicou 49 nomes para integrar o futuro exército, entre os quais se encontram rebeldes sírios e antigos oficiais do exército que desertaram no início da guerra civil, em 2011, e se juntaram à rebelião islamista.
Estas nomeações inscrevem-se "no quadro do desenvolvimento e da modernização do exército, a fim de garantir a segurança e a estabilidade", explica o documento.
Embora o HTS - que tem na sua base ligações à Al-Qaida - afirme ter renunciado ao jihadismo, as novas autoridades estão a tentar assegurar à comunidade internacional que respeitarão os direitos das minorias numa Síria multiconfessional e multiétnica.
Questionado no dia 29 pela estação de televisão saudita Al-Arabiya relativamente ao facto de as nomeações para o governo de transição terem ido exclusivamente para o seu grupo, al-Sharaa reconheceu que tal era "verdade".
"Quando tivermos um governo temporário a longo prazo, poderemos ter uma participação mais alargada", acrescentou o líder sírio.
"Os sete oficiais mais graduados parecem ter vindo todos das fileiras do HTS", sublinhou o analista Haid Haid, colunista sírio e membro consultor do programa para o Médio Oriente e Norte de África no centro de estudos Chatham House.
Para Haid, estas nomeações são uma forma de o grupo "colocar os seus membros e os que lhes são próximos à frente do Ministério da Defesa e do futuro exército" e de "conduzir a reestruturação deste exército".
Com o início da transição na Síria, Haid alertou para "a forma como as decisões são tomadas unilateralmente e sem consulta dos outros grupos".
"O atual chefe do HTS deu a si próprio o direito de promover não só o seu próprio povo, mas também os estrangeiros", afirmou Haid, sublinhando que estas decisões foram tomadas "sem perguntar ao povo sírio se estes estrangeiros que participaram na luta contra o regime podem obter a nacionalidade", caso sejam incorporados no exército.
Dois homens foram promovidos ao posto de general, incluindo Mourhaf Abou Qasra, o chefe militar do HTS, apontado como o ministro da Defesa do governo de transição.
Outros cinco foram nomeados brigadeiros-generais e cerca de 40 receberam o posto de coronel.
Com uma vasta rede de fontes na Síria, o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) identificou pelo menos "seis 'jihadistas' estrangeiros" na lista, incluindo um albanês, um jordano, um tajique, um uigure e um turco do HTS.
O membro uigur pertence ao Partido Islâmico do Turquestão (TIP), um grupo 'jihadista' baseado em Idlib, bastião da oposição síria no noroeste do país, a partir do qual começou a ofensiva que levou à queda de Assad, disse à agência francesa AFP o diretor do OSDH, Rami Abdel Rahmane.
Aymenn Al-Tamimi, especialista em movimentos 'jihadistas' e no conflito sírio, identificou três estrangeiros na lista, entre os quais um uigur, um jordano e um turco "que liderou o bloco de combatentes turcos do HTS e que agora é [promovido a] general de brigada", disse à AFP.
"Um dos princípios fundadores do HTS é que o grupo não trairá os muhajirin (estrangeiros) e não os entregará ao seu país de origem", continuou Al-Tamimi.
De acordo com o especialista, caso estes combatentes estrangeiros "sejam deixados à sua sorte na Síria, isso poderá constituir um problema".
"Integrá-los na nova ordem síria torna-se a melhor estratégia", acrescentou.
Na Síria, 13 anos de guerra civil custaram a vida a mais de meio milhão de pessoas e uma divisão do país em zonas de influência de beligerantes com interesses divergentes.
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