Tanto o Presidente russo, Vladimir Putin, como o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, enfrentam mandados de captura do Tribunal Penal Internacional, que os acusa de crimes contra a humanidade respetivamente na invasão da Ucrânia, desde fevereiro de 2022, e no conflito na Faixa de Gaza, em outubro do ano seguinte.
O Governo da Polónia, onde se situa o atual Memorial e Museu de Auschwitz-Birkenau, no antigo campo de concentração e extermínio que as forças ocupantes nazis instalaram junto da localidade de Oswiecim, no sul do país, garantiu há algumas semanas que não iria prender o líder israelita.
"O Governo polaco trata a participação segura dos líderes de Israel nas comemorações de 27 de janeiro de 2025 como parte da homenagem à nação judaica, cujos milhões de filhas e filhos se tornaram vítimas do Holocausto perpetrado pelo Terceiro Reich", anunciou no início do mês o gabinete do primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, gerando controvérsia dentro de fora do país e concentrações de protesto em Varsóvia.
O diretor do Memorial e Museu de Auschwitz, Piotr Cywinski, descreveu pelo seu lado toda a polémica como uma "provocação mediática", alegando que não havia qualquer indicação de que Netanyahu fizesse planos de viajar para as cerimónias de segunda-feira, que assinalam também o Dia Internacional de Memória do Holocausto.
No entanto, confirmou a presença de uma delegação do Estado judaico, que será liderada pelo ministro da Educação, Yoav Kisch.
Quanto à Rússia, já não há sequer discussão, na medida em que não é convidada desde que encetou a invasão da Ucrânia, interrompendo a representação nas cerimónias anuais de uma delegação de Moscovo, cujas tropas do Exército Vermelho soviético libertaram Aushwitz em 27 de janeiro de 1945, no seu caminho vitorioso para Berlim, colocando o fim na Europa da II Guerra Mundial.
Há dois anos, em entrevista à Lusa, Piotr Cywinski argumentou que os inúmeros crimes do Exército Vermelho da então União Soviética contra civis, principalmente de origem alemã, mas também polaca e outras, são comparáveis ao que está a acontecer na Ucrânia desde fevereiro de 2022.
"É difícil não ter a impressão de que pouco mudou na mentalidade e na formação dos soldados russos. Sem dúvida, a realidade que todos observamos revela um fosso civilizacional inimaginável entre a Europa democrática e a Rússia contemporânea", justificou, o responsável do Memorial de Aushwitz-Birkenau, que mais recentemente considerou que um convite a Moscovo seria um "ato de cinismo", na medida em que se trata de uma data em que também se comemora a liberdade.
Cerca de 40 países confirmaram a sua presença, a maioria representados ao mais alto nível por chefes de Estado, incluindo os presidentes francês, Emmanuel Macron, e alemão, Frank-Walter Steinmeier, além dos monarcas de Espanha, Bélgica, Dinamarca e Holanda e Reino Unido.
O Presidente do Conselho Europeu, Antonio Costa, e a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, também confirmaram as suas presenças, enquanto Portugal será representado pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, num dia em que a agenda política em Lisboa será em grande parte dominada pela visita do secretário-geral da NATO, Mark Rutte.
Segundo o Memorial, as cerimónias terão início às 16:00 locais (15:00 Lisboa) numa tenda erguida junto do portão do antigo campo de Auschwitz II-Birkenau, onde será colocado um vagão de carga usado no transporte de prisioneiros como símbolo do evento.
"Todos os sobreviventes de Auschwitz estão convidados", segundo o Memorial, que disponibilizará um sinal de TV produzido pela televisão polaca para todo o mundo, e todas as instituições e organizações são incentivadas a criar um espaço nas suas comunidades onde a transmissão possa ser assistida em conjunto.
Entre a controvérsia suscitada pelos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, a entidade procura, no entanto, colocar o foco "numa oportunidade de celebração conjunta e de reflexão global sobre o significado dos acontecimentos do passado".
Numa entrevista recente ao jornal britânico Guardian, Piotr Cywinski indicou que "não haverá qualquer discurso político" na segunda-feira, justificando que a atenção deverá ser concentrada "nos últimos sobreviventes que estão entre nós e na sua história, na sua dor, no seu trauma e na sua forma de nos oferecer algumas obrigações morais difíceis para o presente".
Na semana passada, o chanceler alemã, Olaf Scholz, referiu-se ao Holocausto e ao assassínio de seis milhões de judeus e de milhares de outras minorias pelo regime nazi, como um "colapso da civilização".
Oitenta anos após a libertação do campo de extermínio mais simbólico da "solução final da questão judaica" do regime nazi, as autoridades de Israel enfrentam acusações de passarem de herdeiros das vítimas do Holocausto a autores atuais de crimes contra a humanidade, como sugere a queixa por genocídio na Palestina apresentada pela África do Sul junto do Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas.
A radicalização de opiniões em torno do conflito entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas, que levou a devastação à Faixa de Gaza, trouxe por outro lado para a ordem do dia o antissemitismo.
No passado domingo, Olaf Sholz alertou para a "normalização assustadora e alarmante" do antissemitismo, do extremismo de direita e das ideias nacionalistas", num evento organizado pela comunidade judaica de Frankfurt por ocasião do próximo aniversário da libertação de Auschwitz.
No mesmo sentido, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, condenou, numa visita há uma semana ao Memorial e Museu de Auschwitz-Birkenau, o que chamou de "veneno do antissemitismo", estabelecendo uma relação entre o lema "nunca mais" saído da memória do Holocausto e os acontecimentos recentes.
"Condenamos consistentemente este ódio e dizemos corajosamente 'nunca mais'", proclamou Starmer na visita ao antigo campo de concentração. "Mas onde está o 'nunca mais' quando vemos o veneno do antissemitismo a aumentar em todo o mundo depois de 07 de outubro?", questionou, em alusão à data do ataque do Hamas em solo israelita que desencadeou a guerra no Médio Oriente.
Auschwitz-Birkenau é o símbolo do genocídio perpetrado pela Alemanha nazi contra seis milhões de judeus europeus, dos quais se estima que um milhão morreram no campo construído na Polónia ocupada entre 1940 e 1945, juntamente com mais de cem mil polacos não judeus, ciganos, homossexuais e prisioneiros soviéticos.
Como símbolo da luta contra o discurso de ódio, a casa ocupada durante a Segunda Guerra Mundial pelo comandante do campo de Auschwitz foi comprada para se tornar um centro de combate ao antissemitismo e ao radicalismo, segundo o Projeto Contra o Extremismo (CEP), sediado nos Estados Unidos.
A antiga residência de Rudolf Höss, com um grande jardim onde o comandante nazi e a sua família levavam uma vida idílica ao lado dos "campos da morte", abrirá as suas portas pela primeira vez na segunda-feira, segundo o presidente e fundador do CEP, Mark Wallace, como "um símbolo extraordinário" da luta para travar o ódio e o antissemitismo que estão mais uma vez a "tomar conta da nossa sociedade".
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