"Temos de provocar uma mudança nas atitudes e nos discursos muito xenofóbicos, homofóbicos e fascistas do Governo Milei. Sou defensora dos direitos humanos. Aceitar a agenda de Milei seria recuar muito no tempo e perdermos como sociedade", explica à Lusa a professora de Língua e Literatura, Valeria Barattucci, de 48 anos, na praça em frente ao parlamento argentino.
O protesto tomou conta das principais cidades do país e de Buenos Aires, onde se realizou uma marcha entre o Congresso e a Praça de Maio, sede do Governo. A manifestação teve ainda réplicas nas principais cidades do mundo, incluindo Lisboa.
A escolha do cenário do Congresso explica-se pelo "projeto de igualdade perante a lei", a cruzada do ultraliberal argentino Milei contra questões de identidade de género e contra a diversidade sexual.
Milei quer retirar do código penal argentino o "femicídio" como agravante penal, o documento de identidade não-binário e a cota para pessoas transexuais em dependências do Estado.
Javier Milei tem adotado um discurso de perseguição às minorias, mas também contra a imigração e contra a defesa do meio ambiente, aproximando-se do discurso do Presidente Donald Trump, dos Estados Unidos.
No que se refere à diversidade sexual, o discurso se contradiz as ideias liberais de "respeitar de forma irrestrita o projeto de vida do próximo".
"Milei tem uma visão enviesada, incapaz de aceitar as diferenças. Não tem um pensamento democrático. É um Governo eleito pelo povo, mas bastante parecido a uma ditadura, o oposto ao pensamento liberal que prega. Infelizmente, é muito autoritário", define Valeria.
O liberalismo de Milei "é apenas para o capital", afirma à Lusa outra manifestante, Mariana Brattoli, 46 anos.
"Os únicos favorecidos são as pessoas com dinheiro para fazerem negócios a larga escala. No campo social, a discriminação, o ódio e a perseguição estão permitidos e até incentivados. Por isso, Milei fala sobre 'liberdade' e não sobre 'democracia'. É liberdade desde que se encaixe nos parâmetros dele", acrescenta.
Ao lado dela, o psicólogo Pablo del Rosso, 52 anos, critica os ataques de Milei às diferenças, que tomaram dimensão após a vitória de Trump, na qual Milei participou como convidado especial.
"Precisamos de diversidade e de respeito pelas diferenças. Não podemos permitir que avance esse modelo único de pensamento e de vida. O respeito que Milei diz ter é apenas uma estratégia para impor uma agenda da nova direita mundial", observa Pablo.
Lucas Britez, de 22 anos, apoia a causa LGBT com a venda de bonés com a inscrição "Make Argentina Gay Again" (Fazer a Argentina Gay Novamente), por oposição ao discurso MAGA de Donald Trump, adaptado por Javier Milei como "Make Argentina Great Again".
"Esse discurso repleto de ódio leva muita gente" a sentir-se à vontade para "atacar pessoas da comunidade e a saírem impunes como aconteceu recentemente quando incendiaram a casa de uma família de lésbicas", ilustra Lucas à Lusa.
Convocada por organizações sociais, centrais sindicais, movimentos de esquerda e, principalmente, pela comunidade LGBTIQ+, a manifestação de hoje tenta combater o discurso do Presidente Milei no Foro Económico Mundial de Davos. Somaram-se à manifestação artistas, acadêmicos, intelectuais e líderes políticos.
Em Davos, em 23 de janeiro, Milei expressou a sua cruzada contra o feminismo, contra a diversidade sexual e associou a homossexualidade com à pedofilia. Logo depois, anunciou uma série de iniciativas que revertem questões de género no Estado e que pretendem eliminar o agravante penal no contexto de violência de género contra mulheres, o chamado femicídio.
"O feminicídio legaliza que a vida da mulher vale mais do que a do homem", apontou Milei.
Milei criticou a cultura "woke" ("um vírus mental e um cancro a ser extirpado"), o feminismo ("O feminismo radical não procura a igualdade, mas privilégios") e concluiu, a partir de um caso em que um casal homossexual violentou os seus filhos adotivos, que "o homossexualismo é pedofilia".
"A ideologia de género constitui simplesmente abuso infantil. São pedófilos", definiu.
Analistas acreditam que a pressão social possa fazer o Governo recuar em alguns objetivos como a eliminação do "femicídio", não tanto por um convencimento ideológico, mas pela advertência de alguns juristas de que a retirada desse agravante do código penal levaria centenas de condenados a pedirem uma redução das suas penas, baseados na figura da "lei mais benigna".
Essa consequência de criminosos soltos poderia ter impacto nas eleições legislativas de outubro, quando Mieli pretende ampliar a sua base parlamentária para avançar com reformas estruturais.
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