"Quando informei o Conselho de Segurança sobre a situação no Iémen pela última vez, compartilhei detalhes sobre a gravidade da crise e discutimos as crescentes restrições ao nosso trabalho humanitário. Desde então, ambas pioraram", começou por dizer Tom Fletcher perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU).
"E agora cortes severos de financiamento foram um golpe mortal para o nosso trabalho de salvar vidas. É claro que cabe a cada país decidir como gastar o seu dinheiro. Mas é o ritmo em que tanto trabalho vital foi encerrado que contribui para a tempestade perfeita que enfrentamos", frisou.
Sem referir nenhum país em concreto, o representante da ONU sublinhou que os cortes no auxílio externo estão a ter impacto direto nas vidas que serão salvas, com as equipas no terreno obrigadas a escolher onde aplicar "cortes drásticos".
"Pedi aos nossos coordenadores humanitários, no Iémen e noutros lugares, que informem até ao final da próxima semana onde precisaremos de cortar mais drasticamente, assim como as implicações das escolhas difíceis que estamos a fazer sobre quais vidas não salvar", disse.
Horas após regressar à Casa Branca, em 20 de janeiro, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a suspensão de quase toda a assistência estrangeira como parte da sua agenda "América em Primeiro Lugar", interrompendo milhões de dólares em financiamento global para alguns dos países mais pobres do mundo, como o Iémen.
O chefe humanitário aproveitou a reunião para reforçar três pedidos ao Conselho de Segurança: acesso aos civis que estão sob maior risco, financiamento para salvar o máximo de pessoas possível e pressão pública e privada para libertar trabalhadores humanitários que foram detidos arbitrariamente no país.
Em alusão ao Dia Internacional da Mulher, que se aproxima, Fletcher destacou que existe atualmente um "retrocesso contínuo e deliberado" contra a igualdade de género que precisa de ser encarado.
Fletcher abordou a situação humanitária enfrentada pelas mulheres e meninas no Iémen, assim como o impacto que elas sofrem com os cortes de financiamento, enfatizando que muitas terão que recorrer a "sexo para sobrevivência, mendicância, prostituição forçada, tráfico de seres humanos e venda dos seus filhos".
Em números, o representante da ONU indicou que 9,6 milhões de mulheres e meninas precisam urgentemente de assistência humanitária vital, enfrentando fome, violência e um sistema de saúde em colapso.
Além disso, 1,3 milhões de mulheres grávidas e novas mães estão desnutridas, colocando a sua própria saúde em risco e expondo os seus filhos a doenças e problemas de desenvolvimento de longo prazo.
"A taxa de mortalidade materna do Iémen é a mais alta do Médio Oriente - mais de 10 vezes superior à da Arábia Saudita ou Omã. Mais de seis milhões de mulheres e meninas enfrentam riscos maiores de abuso e exploração", afirmou.
Quase um terço de todas as meninas no Iémen casa-se antes dos 18 anos, uma situação que as priva da sua infância, educação e futuro, sendo que 1,5 milhões de meninas de todo o país continuam fora da escola.
"E ainda assim, apesar de suportarem os maiores fardos da guerra, deslocamento e privação, as mulheres permanecem na linha de frente da sobrevivência e recuperação, criando filhos, lutando diariamente por um futuro melhor, reconstruindo comunidades, lutando pela paz, muitas vezes com pouco reconhecimento ou apoio", lamentou o subscretário-geral da ONU, garantindo que continuará a apoiá-las "com os recursos cada vez menores" que as Nações Unidas têm à disposição.
Na reunião do Conselho de Segurança foi também abordada a recente designação dos rebeldes Hutis como terroristas pela nova administração norte-americana.
O enviado especial da ONU para o Iémen, Hans Grundberg, disse aos membros do Conselho que, embora as ramificações completas dessa medida ainda não tenham sido determinadas, é "essencial" proteger os esforços da ONU para promover um acordo pacífico no Iémen.
"Para alcançar uma paz justa e inclusiva no Iémen, é essencial que o espaço de mediação para os iemenitas sob os auspícios da ONU seja preservado", instou, destacando que a trajetória atual do país é "profundamente preocupante" e que o medo de um retorno ao conflito total é "palpável".
Já a diplomata norte-americana Dorothy Shea afirmou que os Estados Unidos estão a tomar medidas concretas para eliminar as capacidades dos Hutis, como a imposição de sanções direcionadas para privar os rebeldes de "receitas ilícitas".
"Tomaremos medidas contra os Hutis caso eles retomem os seus ataques imprudentes no Mar Vermelho e cursos de água vizinhos e em Israel. (...) Também tomaremos medidas para impedir o apoio do Irão ao terrorismo dos Hutis. (...) Os Estados Unidos não tolerarão nenhum ataque aos nossos interesses", concluiu.
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