Numa entrevista à agência Lusa, Cengiz Gunai Viyana, diretor do Instituto Austríaco para os Assuntos Internacionais, em Viena, acentuou que não estranha as manifestações que ainda decorrem e se seguiram à detenção, há mais de uma semana, do presidente da câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu, acusado de corrupção pelo regime de Recep Tayyip Erdogan, facto negado pelo autarca.
"O problema é que, neste momento, este regime tem todos os instrumentos nas mãos. Tem todo o sistema judicial e judiciário, as forças policiais e as de segurança. Mais, grande parte da imprensa local é controlada pelos homens de mão de Erdogan", sublinhou o investigador
Mostrando-se admirado com a intensidade das manifestações que têm ocorrido em todo o país contra as mais de duas décadas de poder de Erdogan, Cengiz sublinhou à Lusa que todas as sondagens realizadas no país por entidades independentes dão a vitória do presidente da Câmara de Istambul.
Cengiz considerou, nesse sentido, que utilizar o argumento de que Erdogan terá inventado as acusações ao político com maior capacidade de o derrotar nas eleições presidenciais previstas para 2028 é "provavelmente uma ideia muito forte", optando por sustentar tratar-se mais de uma "instrumentalização politica e do controlo dos poderes para manter as ambições de governo e da presidência" do chefe de Estado.
"Imamoglu foi detido de uma tal forma que foi um espetáculo também para a imprensa estatal. Vieram [buscá-lo] às primeiras horas da manhã à sua própria casa. Este foi mais um sinal enviado para a sociedade em geral de que a Turquia está agora a entrar numa nova fase e que o regime está disposto a usar todos esses instrumentos para a repressão", sublinhou Cengiz.
Imamoglu, suspenso do cargo e preso a 19 deste mês, foi entretanto nomeado candidato do Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata) às próximas eleições presidenciais, numa reunião da principal força da oposição realizada no passado domingo.
A oposição pede a antecipação das presidenciais e considera que o processo judicial contra Imamoglu é uma manobra do atual Governo de Erdogan para barrar o caminho do popular presidente da câmara até à Presidência.
"Imamoglu tem sido uma figura muito popular nos últimos anos na cidade mais importante do país e tornou-se um dos opositores mais perigosos para Erdogan, que está com medo por causa da abordagem inclusiva de Imamoglu, que pretende alcançar diferentes eleitores, ao apelar aos eleitores conservadores que normalmente votam em Erdogan e no seu partido, o AKP [Partido da Justiça e Desenvolvimento]", opinou.
"Mas [Erdogan tem medo] também porque Imamoglu, na sua ação na câmara, promove um grande número de serviços na cidade, como a oferta de comida para os aposentados, restaurantes baratos que são dirigidos pela municipalidade, serviços para crianças, para jovens e assim por diante", acrescentou Cengiz.
Segundo o investigador turco, Imamoglu tem sido um edil com "bastante sucesso, é carismático e bastante popular também muito além da cidade de Istambul".
"É por isso que Imamoglu se tornou tão popular e o que vemos atualmente é, infelizmente, que o regime está pronto para se afastar cada vez mais dos princípios democráticos que existiram, que já estão em ruínas. No entanto, ainda se pode considerar a possibilidade de remover um governo através de eleições e isso agora está muito em questão com os mais recentes desenvolvimentos", sublinhou.
E este facto ganha maior relevância porque, nas eleições municipais de março de 2024, o CHP venceu em quase todas as principais cidades do país, "incluindo Istambul, Ancara, Izmir e outras".
"Nessas eleições, a oposição surgiu como a primeira força na Turquia. Isso é um indicador de que as pessoas querem mudar, que os jovens querem mudar. Este governo está em vigor há 23 anos e os jovens estão frustrados porque não veem nenhum futuro. Defendem a liberdade e a democracia por um propósito", argumentou.
"Também estão muito restringidos pelo longo período de crise económica no país, resultado das políticas económicas erradas do governo. Há uma crescente frustração com o aumento do fosso entre os ricos e os pobres e com o facto de as pessoas que estão perto do governo beneficiarem do consequente clientelismo. Os que estão no lado oposto ao governo são punidos politica e economicamente", acrescentou.
Há uma sensação de um sistema "injusto" e de que essa injustiça "está a crescer", sustentou Cengiz, um dos poucos analistas turcos que aceitou comentar o atual momento de convulsão política na Turquia, onde vários investigadores contactados pela Lusa se escusaram a responder alegando que o país vive "momentos críticos".
"Acho que isso também está a ser canalizado para os protestos, porque as pessoas lutam contra o governo e em apoio a Imamoglu, porque veem que ele também foi tratado de forma injusta, e também estão frustrados pela situação económica e pelo crescente autoritarismo do regime", terminou.
Segundo as autoridades turcas, desde o início das manifestações, a polícia prendeu mais de 1.400 cidadãos, entre manifestantes, académicos e jornalistas.
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