Numa declaração à imprensa, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, Guterres adotou um tom duro para se referir à realidade ainda mais dura enfrentada pelos palestinianos na Faixa de Gaza, onde um mês inteiro "sem uma gota de ajuda" reabriu as "comportas do horror".
"Mais de um mês inteiro passou sem uma gota de ajuda em Gaza. Sem comida. Sem combustível. Nenhum remédio. Sem fornecimento comercial. À medida que a ajuda secava, as comportas do horror reabriram-se", disse Guterres.
"Gaza é um campo de extermínio -- e os civis estão num ciclo interminável de morte", reforçou.
Cerca de 1.400 mortes ocorreram desde 18 de março, quando o Exército israelita quebrou o cessar-fogo alcançado em janeiro com o grupo radical palestiniano Hamas e retomou os bombardeamentos e a ofensiva terrestre em Gaza.
"O mundo pode estar a ficar sem palavras para descrever a situação em Gaza, mas nunca fugiremos à verdade. O caminho atual é um beco sem saída -- totalmente intolerável aos olhos do direito internacional e da história", insistiu Guterres.
Destacando tudo aquilo que foi alcançado durante o período de cessar-fogo, como a libertação de reféns ou distribuição de ajuda humanitária vital, o líder da ONU enfatizou que a esperança diminuiu para as famílias palestinianas e para as famílias dos reféns em Israel assim que os ataques foram retomados.
Guterres defendeu clareza sobre a situação atual, assegurando que, com os pontos de passagem para Gaza encerrados e a ajuda bloqueada, "a segurança está em ruínas e a capacidade de entrega da ONU foi estrangulada".
"Devemos também ser claros quanto às obrigações. Como potência ocupante, Israel tem obrigações inequívocas ao abrigo do direito internacional", recordou.
Guterres citou especificamente três artigos da Quarta Convenção de Genebra - sobre a proteção de civis em tempos de guerra - que determinam que a potência ocupante tem a obrigação de garantir atendimento médico à população, bem como manter hospitais e centros de saúde nos territórios que ocupa, e garantir "mecanismos de socorro" em áreas com problemas de abastecimento.
"Mas nada disto está a acontecer hoje", declarou o secretário-geral das Nações Unidas.
As autoridades israelitas propuseram recentemente "mecanismos de autorização" para a entrega de ajuda em Gaza, "arriscando controlar ainda mais e limitar cruelmente a ajuda até à última caloria e grão de farinha", denunciou ainda o ex-primeiro-ministro português.
O secretário-geral garantiu que a ONU não participará em nenhum acordo que não respeite integralmente os princípios humanitários da "humanidade, imparcialidade, independência e neutralidade".
Guterres aproveitou ainda para deixar uma palavra de apoio aos "heróis humanitários em Gaza", que "estão sob fogo cruzado e, ainda assim, fazem tudo o que podem para seguir o caminho que escolheram: ajudar as pessoas".
Nesse sentido, apelou mais uma vez a uma investigação independente sobre o assassínio de trabalhadores humanitários, incluindo pessoal da ONU.
Guterres insistiu ainda que os Estados-membros das Nações Unidas devem cumprir as suas obrigações ao abrigo do direito internacional, reforçando que "deve haver justiça e responsabilização quando isso não acontece".
O secretário-geral mencionou igualmente o risco da Cisjordânia "se transformar noutra Gaza", tornando todo o cenário ainda pior.
"É tempo de acabar com a desumanização, proteger os civis, libertar os reféns, garantir ajuda vital e renovar o cessar-fogo", concluiu.
As autoridades de Gaza elevaram para mais de 50.700 o número de palestinianos mortos na guerra que Israel trava no enclave palestiniano contra o Hamas, iniciada horas depois do ataque de dimensões sem precedentes cometido pelo grupo extremista palestiniano em território israelita a 07 de outubro de 2023, que fez cerca de 1.200 mortos, na maioria civis, e 251 sequestrados.
[Notícia atualizada às 18h34]
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