"Esta é a questão central dos países do Sahel", disse João Gomes Cravinho, em Madrid, numa conferência na escola de negócios ESADE.
O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa de Portugal assumiu o cargo europeu há quatro meses e afirmou que uma das primeiras conclusões a que chegou neste período está relacionada com a questão da segurança.
Cravinho realçou que a segurança "não deve ser entendida apenas como um desafio militar", mas, chegará um momento, "não agora, dentro de um par de anos, talvez", em que a União Europeia (UE) terá também de pensar "em apoiar militarmente" países da região, que enfrentam instabilidade política e social, têm grupos terroristas implantados no terreno e têm sido cenário de golpes de Estado nos últimos anos.
O representante especial da UE para o Sahel afirmou que as juntas militares que atualmente governam em alguns países da região "cometeram inicialmente o erro" de pensar que a solução para a situação seria militar, permitindo, entre outras coisas, a intervenção de Estados como a Rússia.
Mas a situação em países como o Mali, o Níger ou o Burkina Faso não melhorou e as juntas militares que estão à frente destes Estados são hoje conscientes de que é necessária "uma visão bastante mais integrada" para responder à insegurança e à ameaça de grupos terroristas, disse.
Têm também hoje, por isso, mais abertura em relação à UE do que há uns anos, quando pensavam que a solução era apenas militar, acrescentou.
Gomes Cravinho disse que a Europa e as instituições europeias têm de criar um consenso em relação ao Sahel e desenvolver novos instrumentos de trabalho e cooperação para ser possível estabelecer um "novo tipo de diálogo" com estes Estados, que encontrou "muito degradado" quando assumiu o cargo que hoje ocupa, com "incapacidade mútua" de ouvir e explicar os respetivos interesses "e o que é importante para cada um".
O ex-ministro português disse acreditar que o caminho passa por "simplesmente explicar" que os interesses da UE e dos países do Sahel convergem, porque a estabilização e o desenvolvimento são essenciais para criar condições de trabalho e de subsistência para uma população local maioritariamente jovem.
A instabilidade e a falta de perspetivas de vida estão na origem de fluxos migratórios desordenados, "muito problemáticos" para vários países da UE, com milhares de pessoas jovens a tentarem alcançar a Europa de forma ilegal e pondo em risco as próprias vidas.
"Não há que ter ilusões sobre as dinâmicas migratórias. Se não soubermos trabalhar no e com o Sahel sobre a situação nos países de origem, as dinâmicas migratórias vão continuar iguais", frisou.
Cravinho defendeu que, além de um novo diálogo com estes países, levando "a sério" o "discurso soberanista e africanista", a Europa deve também dialogar com os países vizinhos, que se sentem ameaçados por uma "exportação de insegurança e instabilidade", e com Estados terceiros que têm influência e presença na região, para além da Rússia, como a Turquia, países do Golfo ou a China.
Também nestes casos os interesses em relação ao Sahel podem ser convergentes conjunturalmente com os da UE, disse, destacando que a atuação da China e a estratégia de Pequim na região é muito diferente da que tem a Rússia.
"Os chineses nunca serão para nós aliados fortes, mas conjunturalmente podemos ter confluência de interesses", afirmou, referindo-se ao Sahel.
Quanto às instituições europeias, defendeu que, para além de ser necessário criar um consenso em relação ao Sahel, têm também o desafio de desenvolver novos instrumentos para trabalhar "no contexto de sociedades frágeis" como são as desta região africana.
Segundo afirmou, o apoio ao desenvolvimento da UE baseia-se cada vez mais em grandes projetos infraestruturantes, "numa lógica pouco compatível com Estados frágeis".
Por outro lado, estes países resistem à ajuda humanitária, por considerarem que é um sinal, perante a população, de incapacidade de resposta aos problemas imediatos que surgem.
"É preciso desenvolver instrumentos [de trabalho e cooperação] para o contexto de sociedades frágeis", afirmou, revelando que "já se está a trabalhar nisso em Bruxelas", mas levará ainda algum tempo a concretizar.
João Gomes Cravinho falava numa conferência na escola de negócios ESADE, cujo 'think thank' EsadeGeo, dedicado à geopolítica internacional e liderado pelo ex-secretário-geral da NATO Javier Solana, apresentou hoje um relatório sobre a estratégia de Espanha para o Sahel.
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