Ao início da tarde em Hong Kong (manhã em Lisboa), uma moldura humana vestida de negro - muitos deles com pequenos laços de tecido amarelo presos na roupa por alfinetes -- começava a tomar posição nos viadutos junto à sede do governo, em Admiralty, no centro comercial e financeiro da cidade, enquanto voluntários iam chegando ao local, muitos deles carregando caixas de bananas e outros mantimentos.
Os preparativos continuavam também no interior do centro comercial das imediações, com alguns manifestantes -- a maioria estudantes universitários, mas também alunos do secundário envergando uniformes escolares --, a aproveitarem para fazerem refeições rápidas nos estabelecimentos de 'fastfood'.
Outros equipavam-se com máscaras, óculos e toalhas para precaver eventuais novos lançamentos de gás pimenta pelas forças policiais.
Gordon Tse, Felix Chiu e Michael Chen, os três com 20 e 21 anos, estão hoje a fazer greve às aulas pela primeira vez, uma semana depois de ter sido iniciado um boicote estudantil. Por volta das 14:30 (07:30 em Lisboa) já tinham ido ao local do protesto, e faziam então "uma pausa para descansar".
"Estou muito zangado porque a polícia usou gás pimenta e gás lacrimogéneo. Ontem [domingo] estive aqui e senti-me muito emocional. Por isso estou aqui para apoiar", afirma Gordon Tse à agência Lusa.
Para o estudante, apesar de os apelos da Federação de Estudantes para as pessoas dispersarem por receios da atuação da polícia, "é importante deixar o governo saber que a democracia é muito importante em Hong Kong".
O sentimento de agir pela mudança é partilhado pelos três amigos, que condenam os que ficam em casa a ver os protestos pela televisão. "Em Hong Kong há aqueles a quem nós chamamos 'siting room', porque só querem ficar sentados no sofá a ler as notícias no jornal ou na televisão. Esses só querem aproveitar a vitória".
A vitória, porém, não é garantida, reconhece Gordon Tse: "Espero que [o governo] mude de ideias, mas não tenho a certeza".
Opinião idêntica tem Nick To, profissional da área do retalho, que passou pela zona de protestos junto à sede do governo a caminho de uma consulta médica. "Não penso que isso aconteça: talvez o Governo em Pequim esteja disposto a fazer algumas pequenas concessões, mas eles vão querer assumir o controlo e continuar a nomear um candidato que seja da sua confiança", refere.
O mesmo residente de Hong Kong, na casa dos 30 anos, sublinha que "o protesto ainda está pacífico", mas já "fora do controlo".
"Os grupos de estudantes pediram aos manifestantes para dispersarem na noite passada, mas as pessoas estão em todo o lado, a ocupar Admiralty, Causewbay (ambas no distrito financeiro da Ilha de Hong Kong) e Mongkok (na ilha de Kowloon).
"Mas eu não tenho medo de vir aqui", remata.
O protesto pela democracia em Hong também não é indiferente aos turistas. Caetlen e Kir Sullivan viajaram da Califórnia (Estados Unidos) para visitar a filha Cathy, que trabalha na Disneyland de Hong Kong.
"Nós apoiamos a causa das pessoas de Hong Kong, que têm uma palavra a dizer e o direito a protestar", disse a matriarca. "Mas estamos muito nervosos por eles, é possível que seja inseguro", acrescentou Caithlin Sullivan à agência Lusa, antes de embarcar no 'ferry' para Macau.
O destino Macau surgiu na rota dos norte-americanos por uma questão de turismo. "Aproveitamos a proximidade de Hong Kong e hoje vamos visitar Macau, mas no sábado vimos de perto os protestos em Causeway", refere.
Tal como os Sullivan, os consultores e engenheiros belgas Frederic De Coster e Denis De Clercy preparavam-se para fazer o mesmo trajeto marítimo. "Penso que esta é uma situação muito difícil, desde o regresso de Hong Kong à China. Talvez seja esse o local onde a cidade pertence, mas isso não quer dizer que a democracia esteja condenada", diz o consultor, de 28 anos.
"Ninguém gosta de ver isto: os estudantes em protesto. Espero que eles consigam fazer valer as suas opiniões", concorda Denis De Clercy.
Já os empresários italianos Maurício e Jean-Luc acabavam de chegar no ferry procedente de Macau: "Vamos ter uma reunião de negócios num hotel, mas penso que é longe da confusão. É seguro, não é", pergunta Jean-Luc, em busca de confirmação.