Segundo o parecer, nos processos-crime a intervenção da hierarquia e o exercício dos poderes de direção do MP não se circunscrevem ao que está previsto no Código de Processo Penal, "compreendendo ainda o poder de direção através da emissão de diretivas, ordens e instruções, gerais ou concretas".
O parecer, cuja doutrina a procuradora-geral da República, Lucília Gago, determinou que seja "seguida e sustentada pelo MP", refere que as normas relativas à intervenção hierárquica em processos crime "conferem à hierarquia competência para a prática de atos processuais penais, modificando ou revogando decisões anteriores".
Entende o Conselho Consultivo, num parecer que tinha sido pedido por Lucília Gago, que a subordinação hierárquica dos magistrados do MP "permite a execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania e o controlo dos atos processuais" e "melhora a administração da justiça, evitando a fragmentação de procedimentos e resultados".
Outra das conclusões indica que "a subordinação hierárquica dos magistrados do MP pressupõe, para além de outros poderes, o reconhecimento do poder de direção que integra, em geral, o conteúdo da relação hierárquica e que se consubstancia na faculdade de emissão de ordens e instruções, gerais ou concretas, pelo superior hierárquico".
O parecer sublinha que a subordinação hierárquica dos magistrados do MP foi consagrada na Constituição, logo em 1976 e manifesta-se na exclusiva sujeição dos magistrados do MP às diretivas, ordens e instruções previstas no seu estatuto e sustenta que a autonomia interna - isto é a margem de autonomia decisória de cada magistrado do MP - "não foi expressamente consagrada na Constituição, resultando dos limites impostos à sua subordinação hierárquica".
Esclarece ainda que "o dever de recusa de cumprimento de ordens ilegais, emanadas de superior hierárquico, e o poder de recusa do cumprimento de ordens, do mesmo também emanadas, fundada em violação da consciência jurídica do subordinado, traduzem "substantiva e adequadamente o princípio da autonomia interna".
O parecer agora divulgado entende também que novo Estatuto do MP "não contém nenhuma determinação inovadora quanto ao conteúdo dos poderes hierárquicos, designadamente restringindo-os no domínio processual penal", conferindo à hierarquia competência para a prática de atos processuais penais, modificando ou revogando decisões anteriores tomadas pelos procuradores titulares do processo crime.
Por último, o parecer conclui que a "emissão de uma diretiva, ordem ou instrução, ainda que dirigidas a um determinado processo concreto, esgotam-se no interior da relação de subordinação hierárquica e não constituem um ato processual penal, não devendo constar do processo".
O parecer do Conselho Consultivo da PGR surge numa altura de controvérsia no seio do MP sobre o conflito latente entre autonomia dos procuradores e poderes da hierarquia do MP, tendo um dos casos concretos conhecidos resultado da investigação ao furto e achamento das armas de Tancos quando os procuradores titulares do processo quiseram inquirir o primeiro-ministro, António Costa, e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o que foi inviabilizada pelo diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Albano Pinto.
Este parecer surge também em vésperas de o Sindicato dos Magistrados do MP divulgar um estudo realizado pelo especialista em Direito Administrativo Luís Fábrica que aponta para o "reforço da autonomia dos procuradores face à hierarquia do MP", à luz do novo Estatuto do MP, que entrou no início do ano em vigor.