Joaquim Piçarra falava na conferência de imprensa onde o CSM anunciou a instauração de processos disciplinares aos juízes desembargadores Luís Vaz das Neves, Orlando Nascimento [ex-presidentes do Tribunal da Relação de Lisboa] e Rui Gonçalves depois de ter sido detetados fortes indícios de abuso de poder e violação do dever de exclusividade.
"A suspeita é de uma gravidade extrema, porque põe em causa um dos pilares do Estado de Direito, mas também revela que o sistema funciona porque conseguiu detetar essas irregularidades", afirmou o presidente do CSM, admitindo, porém, que é um "caso inédito", acrescentando: "Nunca me passou pela cabeça que sucedesse algo semelhante".
Contudo, garantiu, "o Conselho está determinado em exercer as suas competências na área disciplinar e aquilo que decidir será, doa a quem doer, para todos os juízes seja um magistrado de direito ou o presidente do Supremo Tribunal de Justiça".
O órgão de gestão e disciplina mandou averiguar se houve intervenção humana que adulterou o processo de distribuição eletrónica dos processos no tribunal da Relação de Lisboa.
Os processos disciplinares instaurados servem para averiguar se os desembargadores violaram algum dever funcional enquanto magistrados, sendo a matéria criminal da responsabilidade do Ministério Público.
Questionado sobre a cedência do salão nobre do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) para a realização de uma arbitragem extrajudicial por parte de Orlando Nascimento e cujo árbitro foi Vaz das Neves, Joaquim Piçarra afirmou que "nada impede que o juízes jubilados possam ser árbitros", mas estão proibidos de receber remuneração e discorda em absoluto da utilização daquele espaço para a realização de diligência daquela forma alternativa e privada de resolução de litígios.
Sobre as funções futuras do ex-presidente do TRL dentro do próprio tribunal, depois de este ter renunciado ao cargo, a decisão cabe à nova presidente, a desembargadora Maria Guilhermina Freitas.
Questionado sobre as decisões judiciais tomadas pelos três juízes que estão sob suspeitas, o presidente do CSM lembrou que "o sistema tem mecanismos para solucionar a questão e dá a hipótese às partes de poderem suscitar as revisões dos acórdãos através da revisão das decisões".
Na última semana foi revelado que o ex-presidente da Relação de Lisboa Vaz das Neves foi constituído arguido por suspeitas de corrupção e abuso de poder no âmbito da Operação Lex, que tem também como arguidos os desembargadores Rui Rangel e a sua mulher Fátima Galante.
O juiz jubilado é ainda suspeito de ter sido arbitro em atos de arbitragem extrajudicial e ter recebido dinheiro e ainda ter interferido no sorteio que decidiu o desembargador que analisou um recurso de Rui Rangel contra o Correio da Manhã.
Rui Gonçalves foi o relator em 2013 do acórdão que absolveu o empresário desportivo José Veiga, num caso de fraude fiscal relacionado com a transferência de João Pinto para o Sporting, condenando o jogador a ano e meio de prisão por fraude fiscal qualificada, ficando a pena suspensa por quatro anos, mediante o pagamento de uma indemnização de mais de meio milhão de euros.