Operação Éter: Ordem apela a revisão de despacho que antecipou instrução

O Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados pediu hoje uma "revisão" da decisão da juíza que declarou urgente e antecipou a instrução do processo Éter, num "incumprimento do dever geral de recolhimento" devido à Covid-19.

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Lusa
21/03/2020 20:28 ‧ 21/03/2020 por Lusa

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Operação Éter

"Ocorrendo isto no âmbito de uma instrução que não pode ser tida como urgente, pois não há arguidos presos, a Ordem tem de expressar a sua maior preocupação e expectativa de que a juíza reveja o seu critério. Se assim não acontecer, estaremos face a uma grave violação de garantias fundamentais dos arguidos, que se impõe denunciar e à qual, assim se espera, o Conselho Superior da Magistratura não pode ficar indiferente", refere o presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados numa nota de imprensa.

A Ordem considera "totalmente incompreensível, injustificada" e arriscada para a saúde a manutenção e antecipação dos interrogatórios, de 22 abril para quarta-feira, no processo de alegada viciação de procedimentos de contratação pública em torno da Entidade de Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP).

Para a Ordem dos Advogados, a decisão comunicada na sexta-feira é "desconforme" a várias normas legais e "atenta contra direitos fundamentais dos arguidos, seja no plano estritamente processual, seja também na dimensão individual, já que, no contexto da pandemia que nos assola, lhes impõe o incumprimento do dever geral de recolhimento decorrente do estado de emergência em vigor".

"O que diz para os arguidos diz-se igualmente para todos os advogados que intervêm no processo, também sujeitos a uma exposição que coloca em risco a sua saúde", alertam.

Num despacho divulgado à Lusa por fonte judicial, a magistrada titular do 3.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto declara o "caráter urgente" da instrução do processo, antecipando o seu início na maior sala de audiências da comarca, como forma de evitar o "perigo de contágio".

Notando que os arguidos estão representados por advogados "a quem cabe tomar as medidas processuais que entenderem adequadas", a Ordem dos Advogados destaca que "pode e deve pronunciar-se sempre que tal se mostre necessário para a defesa do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e a garantias dos cidadãos, como sucede no caso".

"Esta instrução respeita a arguidos que não se encontravam, nem encontram, presos ou sujeitos a medidas restritivas de liberdade, isto é, na linguagem corrente, não é um "processo urgente", destacam.

O Conselho Regional refere que "a atribuição de carácter urgente à instrução não é acompanhada de qualquer fundamentação ou justificação".

Acresce que foi "proferido depois de, na véspera (12 de março), o Conselho Superior da Magistratura, já no contexto da emergência de saúde pública decorrente do Covid-19, ter emitido comunicado no sentido de que, nos tribunais de 1ª instância, só deveriam ser realizadas diligências em que estejam em causa direitos fundamentais".

"Nessa medida, não havendo arguidos presos e não ocorrendo qualquer situação passível de contender com direitos fundamentais, aquilo que a juíza deveria ter feito era ter dado, pura e simplesmente, sem efeito os interrogatórios dos arguidos", observa o Conselho Regional.

A Ordem alerta ainda para a lei publicada na quinta-feira que determina "a não realização de atos e diligências em quaisquer processos, incluindo instruções em processo crime, salvo estando em causa direitos fundamentais, nomeadamente havendo arguidos presos, mantendo-se tal limitação enquanto perdurar o estado de exceção, em virtude de emergência de saúde pública".

 No despacho a que a Lusa teve acesso, a juíza de instrução Lígia Trovão refere que os interrogatórios vão realizar-se na maior sala do Tribunal de Matosinhos, que é também a maior da Comarca do Porto, face "à situação atual de perigo de contágio de doença infeciosa potencialmente letal e das medidas de prevenção recomendadas pela Direção-Geral da Saúde e do número de intervenientes processuais".

O processo Éter esteve na origem de uma megaoperação realizada pela Polícia Judiciária em outubro de 2018, que levou o Ministério Público a imputar centena e meia de crimes a 29 arguidos (21 singulares e oito coletivos), incluindo o ex-presidente do TPNP Melchior Moreira, com 35 crimes.

A instrução é uma fase processual facultativa, que pode ser requerida por qualquer um dos arguidos ou assistentes, e visa decidir se o caso segue ou não para julgamento, numa espécie de pré-julgamento do caso.

A fase instrutória que o tribunal decidiu agora antecipar foi requerida por 19 arguidos. No processo autonomizado, o único acusado é o ex-presidente do TPNP, Melchior Moreira, que está em prisão preventiva

O despacho do TIC para antecipação da fase instrutória suscitou já uma reação, em forma de requerimento à juíza que o determinou, por parte de Amílcar Fernandes, advogado do ex-presidente do TPNP.

O advogado de Melchior Moreira, que se mantém inconformado com a autonomização da acusação ao seu cliente e com o chumbo de sucessivos pedidos para o libertar, afirma, no documento, ser "muito estranho que, agora, nesta época de pandemia, se confira caráter urgente aos autos e se antecipem diligências em mais de um mês relativamente à data anteriormente marcada".

A separação do processo contra Melchior Moreira, que está acusado por 35 crimes, teve como objetivo, conforme referiu o próprio despacho judicial que o ordenou, travar a libertação de Melchior Moreira em 25 de fevereiro, por excesso de prisão preventiva, prolongando a reclusão até dois anos e meio.

 

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