Aos primeiros casos de covid-19 começaram a ser encerrados todos os espaços onde os AA se reuniam presencialmente, cedidos por instituições às quais pagam uma renda simbólica. As 250 reuniões semanais em todo o país, das quais apenas quatro eram virtuais, transferiram-se a ritmo acelerado para o Skype. São agora mais de 40 reuniões online todas as semanas, que juntam, cada uma, dezenas de participantes.
"Sabemos que é importante para um alcoólico em recuperação manter o seu estado de espírito, também porque para as pessoas que sofrem desta doença e querem ajuda continuarem a ter essa ajuda disponível, não de uma forma presencial, mas de uma forma remota", disse à Lusa António, membro dos AA.
Na primeira semana de estado de emergência o número de pedidos de ajuda via telefone baixou consideravelmente, mas foi recuperando gradualmente, o que significa voltar a uma média de cinco a seis chamadas diárias, disse António, que referiu também que os AA receberam cerca de mil chamadas a pedir ajuda em 2019.
Teresa, em recuperação há 21 anos e voluntária no atendimento da linha telefónica de apoio há sete, confirma os números e diz que começam a aparecer nas reuniões virtuais pessoas que chegam pela primeira vez, inclusivamente residentes no estrangeiro.
Foi um caso de um homem a morar na Suíça, que agora frequenta reuniões via 'Skype' todos os dias, mas que chegou aos AA apenas depois de a mulher ter dado o passo de telefonar.
"Quem está a telefonar mais são os familiares, porque se encontram com as pessoas dentro de casa. Nesse caso da Suíça, a mulher só agora começou a aperceber-se da quantidade de álcool que o marido ingeria e que só agora confessou que tinha um problema e que bebia às escondidas. Com um filho em casa pequeno telefonou a pedir ajuda e a pessoa, de facto, está a ir", disse Teresa.
Para além do número 217162969, que atende chamadas diariamente entre as 10:00 e as 22:00, há ainda um serviço a membros isolados, ou seja, pessoas que não têm meios de ir a reuniões presenciais e agora que elas estão canceladas também não têm meios tecnológicos de participar nos encontros virtuais.
Este apoio telefónico já registou casos de sucesso, em que as pessoas pararam de beber e assim se mantiveram, contou Teresa, que disse que quem está no atendimento -- há três voluntários neste momento -- e que habitualmente presta informações e faz encaminhamentos para reuniões ou serviços médicos, está neste período de isolamento e de emergência "mais recetivo" a manter conversas telefónicas mais longas, a ouvir desabafos e a passar uma mensagem de esperança a quem liga, quase sempre numa situação de desespero,
Pelos seus atendimentos ainda não passaram recaídas em consequência da pandemia, mas nas chamadas já se desabafa muita "insegurança com medo do desemprego".
"Algumas pessoas que nos ligam já nem emprego têm, mas vislumbravam uma hipótese de trabalho e agora não", disse.
Maria, em recuperação há quatro anos, perdeu o emprego um dia depois de o Presidente da República ter anunciado o estado de emergência. O desemprego no arranque de 2020 sucedeu-se à perda do pai e do seu cão no final de 2019.
"Para além de estar em quarentena estou num processo de desemprego que me frustra muito e que me deixa um bocadinho angustiada, sem saber como vai ser o dia de amanhã. Também aprendi em recuperação que as coisas não aconteceu por acaso. Nesta fase ainda estou à espera com muita calma que vou buscar aos companheiros. Ao falar ao telefone a minha ansiedade vai diminuindo", disse à Lusa, referindo que mantém as rotinas para se manter ocupada.
As conversas ao telefone com os companheiros têm-na ajudado mais que as reuniões virtuais, que têm a vantagem de poder acontecer a qualquer hora e várias vezes ao dia, mas que para si não substituem as presenciais.
"Não há nada como termos as reuniões presenciais. Dou muito valor às reuniões físicas, porque temos o olhar, temos o abraço, temos o 'calor da sala', dos companheiros, que por via das tecnologias não existe", disse, acrescentando que a literatura de apoio dos AA, baseada em testemunhos de pessoas em recuperação, tem sido outro grande apoio.
Vive com um profissional de saúde e o medo de adoecer é uma preocupação e vai pedindo ajuda aos companheiros sempre que sente que precisa, até porque sabe que no seu caso "lidar com a frustração pode ser perigoso".
Uma situação de isolamento prolongada vai aumentar os níveis de ansiedade e o risco de uma recaída aumenta também.
"Preocupa-me, mas tenho uma coisa muito bem assente. Eu não quero beber. Não quer dizer que não venha a escorregar, disso ninguém está livre, mas eu não quero. Por isso as ferramentas que estão à nossa disposição têm que ser usadas. Falar com os outros é importante", disse.