A Praça dos Poveiros, um dos pontos mais frequentados na noite do Porto, tinha terça-feira pelas 22h30 quase todos os restaurantes encerrados ou a encerrar. Na República dos Cachorros, Alex Ramos falou à agência Lusa enquanto atendia o único cliente ao balcão.
"Numa terça-feira normal, a esta hora [22h15], a casa estaria composta", disse o responsável do estabelecimento, antes de desabafar "estarem a viver os piores dias do ano"
E prosseguiu: "as pessoas não vêm e o Governo também não quer que elas saiam de casa".
Com o primeiro fim de semana em confinamento perto, Alex Ramos olha para sábado e domingo disposto a tentar a sorte.
"Durante a semana organizámo-nos e adaptamos o nosso funcionamento para que sábado e domingo possamos fazer entregas de refeições ao domicílio", disse.
Mais abaixo, já na rua Passos Manuel, quase em frente ao Coliseu do Porto, uma agitação inusitada deixava vincada porque é tão procurado o Café Santiago pelos apreciadores de uma francesinha.
A emergência do horário de fecho colidiu com a vontade dos clientes em comer ali, numa mesa da sala, mas não pôde ser e a solução foi encaixotar as quatros refeições e irem jantar em casa.
José Pereira, responsável do café, descreveu à Lusa "um futuro incerto" onde só consegue ver "desemprego, porque há casas que não vão aguentar" a falta de clientela e de tempo para as servir.
"A esta hora [22h30] teria, pelo menos, meia casa, mas desde que veio a pandemia tem vindo a piorar de dia para dia", lamentou, antes de explicar que no sábado "não sabe o que vai acontecer, porque abrem à 11h00 e o Governo manda fechar às 13h00. O patrão ainda não decidiu. Já no domingo, é dia de folga", desabafou.
Servido com as quatro francesinhas numa saca, Miguel Magalhães falou à Lusa de "adaptação" e de "compreensão": "a nossa intenção era comer aqui as francesinhas, mas por causa da hora do fecho tivemos de alterar os planos e vamos comer para casa pois não queremos que o restaurante pague multa por nossa causa".
E prosseguiu: "concordando ou não, temos de nos adaptar às situações. Não sabemos o dia de amanhã, se vamos ter trabalho, logo não podemos estar sempre a jantar fora".
O relógio avançava para as 23h00 e havia muito pouca gente na rua. Apenas na Avenida dos Aliados, na paragem do 600, foi possível ver uma dezena de pessoas, à distância de segurança, à espera de entrar no autocarro.
E num Porto despido de pessoas e de comércio aberto, apenas os sem-abrigo se mantêm, isentos de decretos, a fazer o que podem e a pedir ajuda a quem passa. O tempo não mudou assim tanto para todos.
Tempo de atravessar o rio Douro, seguindo pela Ponte do Infante até à Rotunda Gil Eanes, em Vila Nova de Gaia, onde a PSP montou um dispositivo para controlar a circulação entre municípios.
Na diálogo com a Lusa, o subcomissário Hugo Correia deu conta de um "acatamento generalizado" por parte da população à sensibilização feita pelos agentes da autoridade, mas também assinalou "um desconhecimento do dever cívico de recolhimento domiciliário" da parte de alguns condutores, que estimou "rondar os 20%" dos que mandaram parar nas duas primeiras noites.
"Há, sem dúvida, muito menos gente na estrada. O trânsito reduziu drasticamente, o que registamos com agrado, pois revela que a lei está a ser cumprida e as pessoas estão preocupadas com a situação", acrescentou o subcomissário.
No terreno, a PSP montou um dispositivo com 20 polícias, cinco viaturas e um motociclo, reforçado com elementos de várias valências, contabilizou Hugo Correia.
Portugal entrou às 00h00 de segunda-feira em estado de emergência com novas medidas para combater a pandemia de covid-19, como o recolher obrigatório noturno em 121 concelhos que registam mais casos de infeção.
Oito meses após o início da pandemia, em 2 de março, Portugal volta ao estado de emergência até 23 de novembro (o primeiro período decorreu entre março e maio).
Entre as medidas restritivas estão o recolher obrigatório noturno durante a semana (entre as 23h00 e as 5h00 e ao fim de semana a partir das 13h00) nos 121 concelhos de maior risco de contágio.
Nestes 121 municípios, abrangendo 70% da população residente, estão incluídos todos os concelhos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Em Portugal, morreram 3.021 pessoas dos 187.237 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.