O médico intensivista do Hospital de São João, Roberto Roncon, admitiu, na noite desta terça-feira, na SIC Notícias, que as imagens que chegaram de Itália, em março, quando a pandemia começava a chegar a Portugal, podem repetir-se no nosso país nas próximas semanas.
"É óbvio. É óbvio que nós estamos a tomar decisões erradas, decisões tardias e acima de tudo, não estamos a conseguir. Os agentes políticos estão a falhar redondamente naquilo que é a eficácia da mensagem que tem de ser passada", afirmou ao ser questionado sobre essa possibilidade.
Por exemplo, explicou o especialista, "não se pode ir para a Assembleia da República pedir de forma muito piedosa que todos ajudem, mas depois organizar com grande fanfarra o início das campanhas de vacinação que, infelizmente, todos nós sabemos que vai demorar muito tempo".
"É óbvio que a vacinação não vai a tempo de evitar as piores consequências na segunda e terceira vaga e todos nós sabíamos isso, incluindo os decisores políticos. Não podemos tentar capitalizar as boas notícias e não perceber que essa instrumentalização podem interferir na estratégia de comunicação correta e verdadeira que é explicar às pessoas que tudo isto são quimeras", atirou o profissional de saúde do maior hospital da cidade do Porto.
Apesar de admitir que "a vacinação é extremamente importante para voltarmos ao novo normal", Roberto Roncon defendeu que tem de ficar claro, para os portugueses, que "não vai ser a vacinação, em nenhum país da Europa, que vai evitar estas mortes e este estado de sítio a que nós estamos a assistir e que vamos assistir nos próximos meses".
Para o médico, estas mensagens contraditórias dos decisores políticos têm de ter "responsabilidades" no futuro, porque agora, "estamos num tempo de ação e de salvar vidas". Contudo, defendeu o médico, é hora de "uma vez por todas, de parar com estas contradições e assumir de uma vez por todas que estamos a falhar, que não há milagre nenhum português que a segunda e terceira vaga vão nos tocar fundo e que aquilo que vamos assistir nas próximas semanas são cenas de que não nos vamos orgulhar como portugueses".
Sobre o encerramento das escolas, Roberto Roncon salientou que o que é realmente preocupante é o adiamento de cirurgias urgentes, que está a acontecer, desde novembro.
"Quando oiço alguns decisores políticos falarem daquilo que se perde com o ensino à distância, eu quero ver o que é que se vai perder com as cirurgias adiadas, as oncológicas. As pessoas têm de perceber o que está a acontecer no imediato [...]. Isto é absolutamente dramático, nós só vamos conseguir quantificar esta desgraça daqui a uns meses o daqui a alguns anos", frisou.
Por fim, questionado sobre o facto de os hospitais portugueses já estarem a escolher os doentes a quem salvar, Roberto Roncon apenas disse que "as escolhas são sempre feitas mediantes as circunstâncias".
"Por maior empenho que possa existir, por maior organização, quando um serviço ou hospital está dimensionado para uma missão e subitamente lhe é exigido uma missão muito maior do que aquela pela qual dimensionou os seus recursos humanos não é difícil perceber que a resposta não pode ter a mesma qualidade por mais empenho, por mais profissionalismo que os seus profissionais possam ter", concluiu.
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