O julgamento dos três inspetores do SEF - Bruno Valadares Sousa, Duarte Laja e Luís Filipe Silva - acusados do homicídio do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk começou esta terça-feira, no campus da justiça, em Lisboa.
Em declarações prestadas em tribunal, os três inspetores já ouvidos garantiram que nunca agrediram o cidadão ucraniano e que se limitaram a manietar um passageiro "agitado, violento e autodestrutivo" que ficou mais calmo quando saíram da sala.
"Somos agentes de autoridade. Nunca iríamos provocar violência sem necessidade", sublinhou Bruno Valadares Sousa, o elemento da autoridade que terá algemado Ihor, que morreu em 12 de março do ano passado nas instalações do SEF, no aeroporto de Lisboa. O inspetor referiu também que Ihor era "muito conflituoso", "das piores pessoas que teria passado naquele centro."
Bruno Valadares Sousa precisou que foi o último dos três inspetores a entrar na sala, onde se encontrava o cidadão ucraniano, e que todos desconheciam o estado em que se encontrava Ihor.
O inspetor assegurou ainda que nunca agrediu o homem, que já se encontrava numa posição vulnerável.
"Temos de assegurar a integridade física dos passageiros"
Com um discurso semelhante, Luís Filipe Silva começou a sua intervenção a afirmar também que os factos apontados pela acusação não correspondem à realidade e que adiantou que foi chamado, na altura, ao Centro de Instalação Temporária para algemar Ihor, que estava a ter um comportamento violento e autodestrutivo.
"Desconhecíamos que o senhor já estava isolado da sala. Preparámo-nos para uma intervenção dentro da sala. Presumimos que ia ser violenta (…) Quando abrimos a porta, estava deitado. Tinha fita cola nas mãos e pés, estava a tentar rebentar a fita contra a parede", referiu em tribunal.
O inspetor também sublinhou que nunca agrediu o cidadão ucraniano, que não usou o bastão e que Ihor foi algemado e manietado por motivos de segurança.
"Temos muitas intervenções que podem descambar neste tipo de procedimentos (...) Temos passageiros que comem vidros de lâmpadas para evitar serem expulsos do país. Temos de assegurar a integridade física dos passageiros", justificou, admitindo, contudo, que não foi pedido o apoio de um intérprete na altura.
"Hoje já não preciso de ir ao ginásio"?
O facto de Homeniuk estar detido numa sala vazia surpreendeu os três inspetores do SEF, tendo mesmo Duarte Laja, o terceiro inspetor ouvido hoje, dito que esperava encontrar o passageiro "sentado numa cadeira atrás de uma secretária" e não "sentado e atado com fita cola num colchão".
O mesmo arguido negou que, ao contrário do que se lê na acusação, tenha dito uma a frase: "Hoje já não preciso de ir ao ginásio".
Três arguidos, três versões semelhantes
No primeiro dia de julgamento, cada um dos três arguidos apresentou aos juízes uma versão semelhante dos factos, dizendo que, quando chegaram à sala, Homeniuk, de 40 anos, apresentava algumas marcas "na cara e nos braços", estava sentado num colchão e que já estava "atado com fita adesiva nas pernas e nos pulsos".
Todos disseram que encontraram o cidadão "bastante agitado", mas que, quando foram chamados ao local, desconheciam que este já estava manietado.
Nos cerca de 20 minutos que os três funcionários dizem ter estado na sala, Homeniuk tentou pontapeá-los, tendo os inspetores usados primeiro fitas médicas para o pulsos e pés e depois algemas de metal.
Antes das declarações dos arguidos, logo no início da sessão de julgamento, a defesa de Bruno Sousa considerou que os três inspetores do SEF foram "bodes expiatórios" e que a morte do cidadão ucraniano se deve "às condições deploráveis e inqualificáveis nas quais os cidadãos são colocados nos centros de detenção" temporários.
O julgamento dos arguidos, que estão em prisão domiciliária desde a sua detenção em 30 de março de 2020, continua na quarta-feira já com o depoimento de testemunhas de acusação. A viúva Oksana Homeniuk constituiu-se assistente no processo.
Para o Ministério Público (MP), os inspetores do SEF algemaram Homeniuk com os braços atrás do corpo e, desferindo-lhe socos, pontapés e pancadas com o bastão, atingiram-no em várias partes do corpo, designadamente, na caixa torácica, provocando a morte por asfixia mecânica.
A acusação critica os três arguidos e outros inspetores do SEF por terem feito tudo para omitir ao MP os factos que culminaram na morte do cidadão, no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, chegando ao ponto de informar o magistrado do MP que Homeniuk "foi acometido de doença súbita".
Considera o MP que as agressões provocaram a Homeniuk dores físicas, elevado sofrimento psicológico e dificuldades respiratórias, que lhe causaram a morte, em 12 de março.
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