Os dados divulgados pelo Movimento Saúde em Dia, liderado pela Ordem dos Médicos (OM) e pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), revelam também uma diminuição de 3,6 milhões nos contactos presenciais de enfermagem nos centros de saúde (menos 18%) que juntamente com as consultas médicas totalizam menos 11,4 milhões relativamente a 2019.
A análise feita pela consultora MOAI, a partir dos números oficiais do Portal da Transparência do SNS, indica igualmente uma "quebra acentuada" nos cuidados médicos presenciais nos hospitais, com menos 3,4 milhões de contactos em 2020, entre consultas, cirurgias e urgências.
Os episódios de urgência reduziram-se 31%, as consultas externas 11% e as cirurgias 18%, refere o movimento, apontando o mesmo panorama nos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, onde só há dados disponíveis até final de novembro de 2020.
"Ainda assim, globalmente, foram realizados em 2020 menos um quarto dos exames e análises", o que se traduz em menos 25 milhões de atos realizados. Só na Medicina Física e de Reabilitação foram menos 12,4 milhões.
Os rastreios também foram afetados, com mais 169 mil mulheres com rastreio ao cancro da mama por realizar, mais 140 mil que não fizeram o do cancro do colo do útero e mais 125 mil portugueses sem rastreio ao cancro do cólon e reto.
Para o presidente da APAH, estes dados "vêm aumentar" a preocupação face à evolução da resposta aos doentes não covid-19, considerando que são "bastante mais dramáticos" em relação aos valores que já tinham sido apresentados em relatórios parciais anteriores.
Para Alexandre Lourenço, estes indicadores mostram "uma elevada fragilidade no acesso a cuidados de saúde", reiterando que é "muito importante encontrar soluções rápidas e imediatas para que este problema seja mitigado, sabendo que já existem muitos portugueses que ficaram para trás e que não vão ver o seu estado de saúde ser melhorado".
Ainda há muitas pessoas com "graves problemas de saúde por diagnosticar e também por iniciar tratamento", disse o responsável à agência Lusa.
"Como dissemos desde sempre uma adequada resposta à doença covid-19 teria permitido manter os níveis de resposta dos hospitais num modelo de acesso minimamente aceitável", defendeu.
Estas preocupações são partilhadas pelo bastonário da Ordem dos Médicos, sublinhando que a redução de consultas presenciais nos centros de saúde é "muito preocupante" porque são "absolutamente essenciais para a entrada dos doentes no sistema".
Aludindo ao número de consultas não presenciais que duplicou em 2020, Miguel Guimarães explicou que está relacionado com os contactos diários com os doentes covid-19 e com outros doentes.
"A partir daqui é evidente que tudo se complica (...) e leva-nos a que, mais uma vez, venhamos exigir que se libertem os médicos de famílias das tarefas que têm na área do Trace Covid", que devia ter equipas próprias.
A OM enviou várias listas de médicos para o Ministério da Saúde que estavam disponíveis para ajudar o país e que não se importavam de estar a contactar os doentes com covid à distância, recordou.
As preocupações de Miguel Guimarães e de Alexandre Lourenço estendem-se à "quebra brutal" das consultas hospitalares, dos exames e dos rastreios.
"Há aqui muita matéria que é absolutamente fundamental para a vida das pessoas e, por isso, nós voltamos a recordar que é fundamental manter a saúde e os doentes não devem deixar de ir às consultas, às urgências", apelou.
Mas, defendeu, também é fundamental alertar o Ministério da Saúde e os deputados que "é fundamental apostar nesta situação já, não é não ficar parado mais um mês, dois ou três".
"Nós temos de constituir um Plano Marshall para recuperar esta situação na saúde porque senão as coisas não só se vão agravar como muitos doentes nem sequer vão ser tratados, perdem-se", alertou Miguel Guimarães.