Em declarações à agência Lusa, a propósito da análise de uma investigadora que afirma ter identificado passagens racistas na obra deste autor de leitura obrigatória no ensino secundário português, o vice-presidente da AFP, Luís Filipe Redes, disse que não é precisa "uma análise muito profunda para compreender os preconceitos raciais presentes em 'Os Maias' e em outros textos de Eça".
"Apesar do seu realismo, o autor tem as limitações de um homem do século XIX. Para não termos visões preconcebidas relativamente aos outros, temos de interagir com eles, coisa que o Eça não terá tido oportunidade de fazer, não obstante a sua passagem por Cuba", adiantou o professor de Português.
O docente sublinhou que "a perspetiva racista era dominante nos estudos antropológicos desse tempo".
"Eça era contra o tráfico de escravos e isso também se lê em 'Os Maias'. A alternativa ao tráfico de escravos era o desenvolvimento de África que passava pela ocupação efetiva num movimento que se chamava 'colonialismo'. É o que vemos no trajeto da personagem Gonçalo, da 'Ilustre Casa de Ramires'", comentou.
Por isso, Luís Filipe Redes considera que a leitura desta obra "implica a análise dos preconceitos raciais do discurso narrativo e das personagens e inserir esse discurso no contexto histórico".
"O que não podemos fazer é projetar juízos de valor formados nas vivências do nosso tempo sobre as ações dos homens do passado", sublinhou.
Professora de Português na Universidade de Massachusetts Dartmouth, nos Estados Unidos, onde está a tirar o doutoramento em Estudos e Teoria Luso-Afro-Brasileiros, Vanusa Vera-Cruz Lima identificou em "Os Maias" várias passagens racistas.
Apesar de considerar que as mesmas não retiram valor à obra literária, defende que justificam a inclusão de "um comentário pedagógico", para que a questão racial não seja ignorada.
"A inferioridade dos africanos e o desdenho pelo negro ou qualquer aspeto relacionado à raça negra é presente na linguagem do narrador e reforçada através de ações e pensamentos de personagens e da idealização da branquitude em crianças, homens e principalmente mulheres", disse Vanusa Vera-Cruz Lima, em entrevista à agência Lusa.
Para Vanusa Vera-Cruz Lima, o fim da leitura de "Os Maias" não é uma "solução" e nem esse o propósito da análise que fez à obra, mas sim a consciencialização das pessoas em relação aos "significados que até agora não têm sido observados, nem discutidos, nos materiais escolares que acompanham a leitura da obra".
A agência Lusa contactou Carlos Reis e Isabel Pires de Lima, especialistas em estudos queirosianos, que optaram por não comentar as conclusões da investigação de Vanusa Vera-Cruz Lima.
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