"Queremos um sistema perfeito, o máximo perfeito possível, mas muitas vezes não conseguimos". As palavras são do vice-almirante Gouveia e Melo, coordenador da Task Force da vacinação contra a Covid-19, que, em entrevista no 360º da RTP, admitiu que há erros no processo, mas que são desenvolvidos esforços para os evitar.
Questionado relativamente ao facto de utentes terem sido chamados para centros de vacinação fechados e de haver longas filas devido ao auto-agendamento, o responsável assumiu que "o que falhou é que este é um processo complexo. Estávamos a agendar, em média, 50 a 60 mil pessoas por dia, num processo local, com uma sobrecarga de recursos humanos muito grande e começámos a fazer um processo automatizado que tem duas agendas, uma central automatizada e uma local".
Neste processo, continuou, "há erros. Temos de admitir que houve uma falha, lamentamos esse tipo de falhas e vamos tentar que não volte a acontecer. Vacinamos em cerca de 250 centros, por isso, ter acontecido [o encerramento e as filas] em dois, três ou quatro, não é perdoável porque queremos um sistema perfeito, o máximo perfeito possível, mas muitas vezes não conseguimos".
Já estamos muito perto de vacinar 100 mil pessoas por dia
Anunciou o coordenador da Task Force da vacinação que, na próxima semana, Portugal começará a inocular 100 mil pessoas por dia, pese embora este 'marco' já tenha acontecido esporadicamente. "Já estamos muito perto de vacinar 100 mil pessoas por dia e, aliás, já ultrapassámos [esse rácio] em certos dias. Já testámos o sistema e temos capacidade e resiliência para o fazer, mas ainda não temos vacinas para tal. Estamos a preparar todo o sistema logístico para quando as vacinas estiverem disponíveis", o que deverá acontecer na próxima semana.
O vice-almirante Gouveia e Melo estima que Portugal encerre a imunização da "faixa etária dos 60 anos na terceira semana de maio". Seguir-se-á, depois, a "faixa de 50 anos", que deverá estar concluída "na segunda ou terceira semana de junho". Ora, "com a velocidade que estamos a vacinar e por faixas etárias decrescentes, quando chegarmos aos 60 anos, protegemos, em termos de mortalidade e de internamento, cerca de 96% dos casos que aconteceram no ano passado, estatisticamente. Quando chegarmos aos 50 anos, protegemos 98,5% dos casos do ano passado".
Com esta estratégia, vincou, "vamos conseguir conferir uma elevada proteção à população e estamos a um mês/mês e meio de conseguir cumprir esse objetivo". E, se não houver contratempos no processo de vacinação, "entre fins de julho e agosto, teremos 70% da população vacinada com a primeira dose".
Até à data, no país já foram administradas cerca de 2 mil vacinas da Johnson & Johnson e "não há nenhuma reação adversa, nem é expectável" que haja porque, como lembrou o vice-almirante, "reações muito adversas e muito preocupantes acontecem na ordem de um em um milhão. Não ter a vacina é muito mais perigoso".
"O ataque por faixas etárias é uma estratégia que atinge dois objetivos"
Questionado em relação ao critério de vacinação que deve prevalecer, idade ou comorbilidade, o coordenador da Task Force explicou que, em termos estatísticos, "a idade salta mais do que qualquer outra opção e, quando atingirmos os 60 anos, com as pessoas todas vacinadas, não atingimos só a faixa etária, mas um conjunto de doenças que também acontecem nas pessoas mais idosas. O ataque por faixas etárias é uma estratégia que atinge dois objetivos: de proteger uma população mais suscetível a doença grave e eventualmente até a morte, mas também todas as doenças que estão associadas a essa faixa etária".
A estratégia adotada pela Direção-Geral da Saúde (DGS) previa que "só pessoas de uma determinada idade, com comorbilidade, podiam ser vacinadas. E agora tirou-se o limite da idade. A partir de agora, qualquer pessoa acima dos 16 anos que tenha uma doença muito grave pode ser chamada ao processo de vacinação, passando à frente desta questão".
O processo para que seja iniciada a vacinação destas pessoas está a ser "estruturado" e, segundo avançou o responsável pelo plano da vacinação contra a Covid-19, a indicação para a inoculação será feita pelo médico assistente, "através de uma prescrição médica eletrónica, que sinaliza que aquela pessoa tem uma doença grave dentro das doenças que foram selecionadas pela DGS" (pode consultar lista aqui).
Doentes em consultas externas podem ser vacinados nos hospitais
Outra das novidades adiantas pelo vice-almirante diz respeito à vacinação em hospitais. "Estamos a organizar um processo em que todos os doentes que estão em consulta externa, mais graves, também sejam vacinados em contexto hospitalar, dentro das próprias consultas nos hospitais, o que facilita o processo e é mais seguro".
Durante a entrevista, o responsável afastou cenários de problemas na contratação de enfermeiros, garantindo que não há "nenhum sintoma que haja um problema de recursos humanos".
A vacinação de migrantes não está, para já, a ser equacionada pela Task Force, mas Gouveia e Melo deixou a garantia que a questão não está esquecida. "Neste momento, ainda não há plano para dizer sim ou não. Estudamos muitos cenários. O que foi decidido foi reforçar a proteção da população residente onde há mais migrantes, fazendo a vacinação dos maiores de 60 anos de forma mais rápida", atendendo aos surtos nessas comunidades.
A vacinação dos jovens abaixo dos 16 anos, que está a ser estudada pelo regulador europeu, só irá arrancar em Portugal depois de haver 'luz verde' dos especialistas. "Para fazer vacinação de jovens tem de haver vacinas seguras e testadas. Enquanto a EMA [Agência Europeia de Medicamentos] não garantir que as vacinas são testadas, não devemos vacinar essa população, até porque não corre grande risco".
De acordo com o responsável, a vacinação dos recuperados da Covid-19 está para "muito breve", sendo que deve arrancar quando os maiores de 60 anos estiverem vacinados.
Considerando que há duas vacinas administradas em Portugal - e no espaço europeu - que têm limitação de idade, a da AstraZeneca e a da Janssen, o vice-almirante foi confrontado com a possibilidade de haver sobras desses imunizantes. Em resposta, o coordenador da Task Force assegurou que, "no segundo trimestre não vão existir sobras". A limitação de idades "tira-nos a capacidade de usar as vacinas em populações mais jovens, mas temos planos de contingência para aumentar ao máximo a capacidade de alocar essas vacinas dentro da população que tem idade para as receber".
No terceiro trimestre, a Task Force poderá adotar outra estratégia para fazer face à quantidade de vacinas da AstraZeneca e da Johnson & Johnson. "Quando a população acima dos 50 anos estiver vacinada e houver limitação de idade para essas vacinas, poderemos ter outras estratégias, por exemplo voluntárias [para quem quiser receber esses imunizantes]. Apesar de haver risco, o risco é mínimo comparado com o facto de não estar vacinado".
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