Paulo Silva, que já investigou processos de crime económico como Operação Furacão, BPN, Monte Branco e BES/GES, depôs como testemunha da acusação na segunda sessão do julgamento em que Armando Vara, também ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD), está acusado de um crime de branqueamento de capitais, em processo separado da Operação Marquês, o megaprocesso em que é arguido o ex-primeiro ministro José Sócrates.
O inspetor tributário explicou como Armando Vara, através do gestor de fortunas Michel Canals e de Francisco Canas, dono de uma Casa de Câmbio na rua do Ouro, em Lisboa, entregou dinheiro em notas em Lisboa para ser depositado numa conta na Suíça, da sociedade 'offshore' VAMA, administrada no Panamá e que tinha Bárbara Vara (filha do arguido) como "beneficiária" e Armando Vara como procurador.
"Na conta VAMA há 20 entradas registadas que nada fazia presumir que seriam em numerário mas, pela investigação feita, todos os 20 lançamentos na conta foram em numerário", disse Paulo Silva ao coletivo de juízes presidido por Rui Coelho, adiantando que "para que o dinheiro físico não tivesse que ser transportado até à Suíça, Vara utilizava os serviços de Michel Canals", que, por sua vez, recorria a Francisco Canas, que tinha facilidade em transferir dinheiro para uma conta cliente na Suíça, cobrando 1%".
De acordo com o inspetor, essa percentagem cobrada acabou mais tarde por dar entrada na conta bancária aberta na Suíça porque, entretanto, "já tinha sido pago esse valor líquido (1%) em Portugal".
Resultou do depoimento, apoiado em carta rogatória vinda da Suíça e em documentação de Michel Canals, que a primeira entrega de dinheiro em numerário ocorreu em dezembro de 2005, depois de um encontro presencial num hotel em Lisboa (na zona de Entrecampos) em que Vara anunciou que ia ocorrer uma entrega de 50 mil euros em notas para depositar na Suíça, através de Francisco Canas.
Outro estratagema usado, segundo indicou o inspetor tributário, passava por encontrar algum cliente interessado em levantar dinheiro na Suíça para o trazer para Portugal, o que permitia colocar dinheiro nessa vaga deixada em aberto na Suíça, "num sistema de compensação ou de troca, que dificulta seguir o rasto do dinheiro".
Paulo Silva esclareceu o procurador Vítor Pinto que houve também movimentações de dinheiro para Vara fora do circuito utilizado por Francisco Canas, nomeadamente uma transferência bancária de Rui Horta e Costa, ex-administrador não executivo dos CTT, que deu ordem à sua conta na Suíça para que fosse colocada a quantia de 95 mil euros na conta da offshore VAMA.
No total, indicou o investigador, houve quatro operações da VAMA com Francisco Canas, também conhecido por Zé das Medalhas, e as outras 16 no "sistema compensação", a que Michael Canals recorria.
O inspetor explicou também como foi realizada uma transferência de um milhão de euros em benefício de Vara, através do cidadão holandês Van Dooren, ligado ao empreendimento Vale de Lobo, no Algarve, mas "através de uma conta bancária que tinha sido alimentada" pelo ex-administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca.
"Vara transmitiu a Canals que está à espera de uma transação de um milhão de euros e que este lhe enviasse um SMS a dizer (que o dinheiro) já chegou", relatou Paulo Silva.
O inspetor detalhou no tempo que no último trimestre de 2008 sucedeu à VAMA outra sociedade 'offshore', a Walker, sediada nas Seychelles, tendo todo o saldo da VAMA sido transferido para a nova 'offshore', que "não recebeu mais dinheiro do exterior", limitando-se a fazer "aplicações financeiras".
"Todo este esquema complexo funcionava como um tampão para limpar o passado, servindo para esconder ou ocultar a origem e o rasto do dinheiro", com entregas desde 2005, disse Paulo Silva.
"Passou por muitos `tampões´, não é tradicional utilizar tantos `tampões´", concluiu Paulo Silva, que também falou de outros circuitos financeiros usados em sociedades sediadas em Chipre.
Armando Vara esteve ausente da sessão de hoje, por dispensa do tribunal, depois de prescindir de prestar declarações na primeira audiência.
O ex-ministro está desde 16 de janeiro de 2019 a cumprir uma pena de cinco anos de prisão por três crimes de tráfico de influências no processo Face Oculta, condenação que transitou em julgado em dezembro de 2018.
À saída do tribunal, Paulo Silva limitou-se a dizer aos jornalistas que neste julgamento estão em análise apenas 32 páginas de um relatório, do processo Operação Marquês, que tem seis mil páginas.
Tiago Bastos, advogado de Vara, escusou-se a comentar o depoimento da testemunha, disse não vislumbrar nenhuma razão para que o julgamento não seja concluído "a breve trecho" e insistiu que a "estratégia da defesa será aquela que se desenrolar na sala de audiências" e não fora, deixando "em aberto" se o seu cliente ainda irá falar até ao final do julgamento.
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