O Presidente da República anunciou esta segunda-feira, através de uma nota no site da Presidência, que decidiu devolver, sem promulgação, o decreto da Assembleia da República sobre morte medicamente assistida, envolvendo a eutanásia e o suicídio medicamente assistido.
"O Presidente da República decidiu, hoje, devolver à Assembleia da República o decreto sobre morte medicamente assistida, envolvendo a eutanásia e o suicídio medicamente assistido, recebido no dia 26 de novembro", lê-se na nota, na qual Marcelo formula "duas solicitações" ambas sobre questões surgidas apenas nesta segunda versão da lei.
Na primeira questão, Marcelo pede que a Assembleia da República "clarifique se é exigível 'doença fatal', se só 'incurável', se apenas 'grave', aquilo que parecem ser "contradições no diploma quanto a uma das causas do recurso à morte medicamente assistida". "O decreto mantém, numa norma, a exigência de “doença fatal” para a permissão de antecipação da morte, que vinha da primeira versão do diploma. Mas, alarga-a, numa outra norma, a 'doença incurável' mesmo se não fatal, e, noutra ainda, a 'doença grave', pode ler-se.
Sobre a segunda questão apontada, "a deixar de ser exigível a 'doença fatal'", o Presidente da República pede que a Assembleia da República "repondere a alteração verificada, em cerca de nove meses, entre a primeira versão do diploma e a versão atual, correspondendo a uma mudança considerável de ponderação dos valores da vida e da livre autodeterminação, no contexto da sociedade portuguesa".
"Inesperadas perplexidades"
Na mensagem dirigida ao Presidente da Assembleia, Marcelo Rebelo de Sousa fala mesmo em novas normas nesta segunda versão que "suscitam inesperadas perplexidades".
"É o caso das normas respeitantes ao que era o requisito da exigência de “doença incurável e fatal”, do artigo 2.º, n.º 1, do diploma anterior. Neste novo diploma, mantém-se essa exigência, nos mesmos exatos termos, no n.º 1, do artigo 3.º. Só que no novo número 3 desse artigo 3º, a exigência, para recurso à antecipação da morte medicamente assistida, passa a ser “doença grave ou incurável”. E, aumentando a perplexidade, a alínea d) do novo artigo 2.º, contendo definições essenciais para a aplicação da lei, define a doença grave ou incurável como doença grave e incurável", fundamentou o Presidente.
Ora, aponta Marcelo, no mesmo diploma e no mesmo artigo – o artigo 3.º –, temos: a exigência de “doença incurável e fatal”, no número 1; a exigência de mera “doença grave ou incurável”, no número 3 e a “doença grave ou incurável” já é definida como “grave” e “incurável”, na alínea d) do artigo 2.º.
"Ora, uma coisa é uma doença grave, outra uma doença incurável, outra ainda uma doença fatal", frisa, fundamentando que, "em matéria tão importante como esta – respeitante a direitos essenciais das pessoas, como o direito à vida e a liberdade de autodeterminação -, a aparente incongruência corre o risco de atingir fatalmente o conteúdo".
Marcelo faz um exercício: "Admitamos que a Assembleia da República quer mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida, ou seja do suicídio medicamente assistido e da eutanásia". Nesse caso, Portugal "alinhará pelos três Estados europeus citados pelo Tribunal Constitucional e pela Espanha – que, entretanto, aprovou lei no mesmo sentido -, os quatro com solução mais drástica ou radical, e afastando-se da solução de alguns Estados Federados norte-americanos, do Canadá e da Colômbia". O que leva o Presidente a questionar:
"Corresponde tal visão mais radical ou drástica ao sentimento dominante na sociedade portuguesa? Ou, por outras palavras: o que justifica, em termos desse sentimento social dominante no nosso País, que não existisse em fevereiro de 2021, na primeira versão da lei, e já exista em novembro de 2021, na sua segunda versão? O passo dado em Espanha?"
Leia Também: Presidente da República veta a lei da eutanásia