Fecho da maternidade da Clisa revolta grávidas, pais e profissionais
É já no dia 28 de fevereiro que se deixam de fazer partos na Clínica de Santo António, na Amadora. Apesar do elevado grau de satisfação transmitido pelos pais acompanhados neste hospital privado, o Grupo Lusíadas Saúde decidiu centralizar os serviços de maternidade no Hospital dos Lusíadas Lisboa.
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País Parto humanizado
O Grupo Lusíadas Saúde, que detém a Clínica de Santo António, na Amadora, conhecida também por Clisa, decidiu encerrar a maternidade desta unidade hospitalar privada, agregando-a ao Hospital Lusíadas, em Lisboa, de forma a otimizar recursos.
A decisão, comunicada aos profissionais de saúde durante uma reunião e confirmada pelo grupo num comunicado enviado ao Notícias ao Minuto, determina que a partir do dia 28 de fevereiro não se realizam mais partos neste hospital privado.
Os profissionais de saúde da Clisa serão integrados no Hospital Lusíadas. “Continuam a receber os seus ordenados e a poder realizar cirurgias”, como contou uma fonte ao Notícias ao Minuto, contudo, alguns estão “frustrados” com esta decisão e há até quem tenha já metido uma “licença sem vencimento de um ano”, para pensar no que vai fazer no futuro.
Durante anos, a Clisa construiu um ADN com foco no parto humanizado. Os profissionais de saúde – desde médicos a enfermeiros e anestesistas – investiram na sua formação para assegurar "partos adaptados a cada casal, sem pressa, com respeito, com intervenções apenas quando realmente fosse necessário" e ajuda nos primeiros cuidados ao recém-nascido, como por exemplo, na amamentação. Claro, “sempre guiados pelas orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e com base na segurança”.
O número de cesarianas na Clisa, por exemplo, está praticamente ao nível dos hospitais públicos. Num país em que estas cirurgias representam quase 70% dos partos nos privados, é algo que muitos casais têm em conta. Apesar de não ter conseguido ter acesso aos números oficiais, uma fonte desta unidade hospitalar assegurou ao Notícias ao Minuto que, na Clisa, a taxa de cesarianas é “bastante inferior a 50%”, mesmo “com diferentes perfis de obstetras”.
São dados como este que fazem com que, nos últimos anos, a Clisa se tenha tornado numa referência e cada vez mais grávidas procurassem esta maternidade para ter o seu bebé.
“Uma referência do parto respeitado em Portugal”
Basta fazer uma pequena pesquisa nas redes sociais para perceber a elevada taxa de satisfação de quem por lá passou. No site Birth Advisor, onde os pais costumam pontuar as maternidades portuguesas, a Clínica de Santo António tem uma classificação de 4 estrelas e meia em cinco. Uma das melhores do país. Todos os comentários agradecem o “profissionalismo” e “carinho” dos profissionais de saúde. E mesmo quem teve partos mais complicados, garante que as equipas leram com atenção os planos de parto e respeitaram sempre que puderam cada pedido.
A revolta com encerramento da maternidade da Clisa é por isso estendida a centenas de casais. A blogger Ana Castro Sanches, por exemplo, na sua conta de Instagram 'Dido and Company', que tem mais de 34 mil seguidores, revela estar “chocada” com a decisão do Grupo Lusíadas.
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“Uma maternidade que a cada mês que passava se tornava uma referência do parto respeitado em Portugal, do equilíbrio entre uma equipa com acompanhamento fantástico e o respeito pelo tempo e capacidade de parir de uma mulher”, escreve numa das publicações feitas sobre o tema, que conta já com cerca de 2 mil gostos e mais de 200 comentários de apoio.
Na mesma partilha, Ana lamenta pela “equipa de profissionais incríveis que tinham trilhado o seu caminho neste espaço”, assim como “por todas as mulheres e famílias que terão que escolher um ‘mal menor’ ao irem para locais onde a filosofia pode ser diferente da que procuravam e o destino passa a pertencer à ‘sorte’”.
Outras mães há que questionam o facto de se encerrar uma clínica onde não há vagas, porque as equipas não conseguem acompanhar todas as famílias que lá querem viver o nascimento dos seus filhos.
“A visão cega dos números”
Um profissional de saúde, que prefere manter o anonimato por medo de represálias, contou ao Notícias ao Minuto que começaram com pequenos cortes antes desta decisão. “Prometeram dar o piso de baixo para acolher mais grávidas e isso nunca aconteceu. Bloquearam a contratação de enfermeiros”, disse. Mesmo assim, a maternidade da Clisa trazia ao mundo cerca de mil bebés por ano, sendo que alguns obstetras tinham de rejeitar “entre 30 a 40 grávidas” por mês, por não ter lugar na agenda. Factos que, para profissionais e utentes, tornam esta decisão incompreensível.
“Alguém na administração está a olhar para uma folha de Excel cheia de números e não está a ver o potencial da maternidade da Clínica de Santo António. Não está a ver o aumento de procura deste tipo de partos. É a visão cega dos números. E estes casais vão ficar sem respostas, porque não há nenhuma maternidade privada a fazer o que se faz na Clisa em Portugal. Se houvesse investimento isso permitiria mais partos, mais 150% de partos”, explica-nos a mesma fonte, recordando que os partos humanizados estão a ser cada vez mais promovidos na Europa e que o fecho desta clínica poderá aumentar o número de casais que opta por ter o bebé em casa, algo que não é considerado tão seguro.
O Notícias ao Minuto sabe que alguns casais, cujo bebé nasce depois do dia 28 de fevereiro, já estão a cancelar as aulas de preparação para o parto e a pesquisar alternativas - que não o Hospital dos Lusíadas - para ter o bebé.
“Perde-se um importante ecossistema de respeito e cuidados centrados na mulher”
Entretanto, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto também já escreveu uma nota sobre o assunto na sua página de Facebook. Os membros dizem-se indignados com o encerramento da Clisa e “não acreditam na versão oficial” do Grupo Lusíadas.
“Perde-se uma referência de humanização, alinhada com a evidência, a legislação, a vontade das mulheres, na vanguarda do que deveria ser o modelo de parto humanizado. Que duro golpe para todas e todos os que não terão a possibilidade de experienciar esse respeito e excelência”, lê-se na publicação.
Na mesma partilha, a associação acusa o Grupo Lusíadas de “falta de visão a longo prazo, falta de sensibilidade para aqueles que deveriam ser a sua prioridade” e considera que, apesar de os obstetras da Clisa irem para o Hospital dos Lusíadas, “perde-se aquele importante ecossistema tão bem oleado de respeito e cuidados centrados na mulher”.
Grávidas terão a mesma “personalização, humanização e satisfação”
Entretanto, contactado pelo Notícias ao Minuto, o Grupo Lusíadas garantiu que “agregação” da maternidade da Clisa no Hospital dos Lusíadas faz parte de um “plano de reorganização das unidades que integram o cluster de Lisboa” com o objetivo de “continuar a elevar os padrões de inovação, rigor e excelência”.
Nesse contexto e tal como as mudanças já feitas noutras unidades do grupo, “a Clínica de Santo António inicia também um novo ciclo, numa altura em que está em contagem decrescente para completar cinco décadas de atividade e seis anos na esfera da Lusíadas Saúde”.
O grupo admite que esta clínica se “tornou numa unidade de referência” e “beneficia de um elevado nível de satisfação daqueles que diariamente procuram os seus serviços”. Contudo, além do “rebranding” da Clínica de Santo António para Hospital Lusíadas Amadora, já no dia 6 de janeiro, no primeiro trimestre de 2022, os serviços de maternidade do grupo vão mesmo passar a estar centralizados apenas no Hospital Lusíadas Lisboa.
Por fim, a administração afiança que as gestantes serão acompanhadas “exatamente com a mesma garantia de personalização, humanização, qualidade e satisfação no momento do parto” que eram asseguradas na Clisa, onde os casais poderão continuar a receber acompanhamento de pré e pós-parto.
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