"Não tinha acompanhamento direto da questão, mas há uma coisa que sei. É que nenhuma das entidades que tinha responsabilidade de fiscalização do que quer que seja, designadamente de manutenção [do coberto vegetal] e na estrada em questão, alguma vez nos penalizou", disse Augusto Fontes de Carvalho, no Tribunal Judicial de Leiria, onde hoje prossegue o julgamento.
Atual vice-presidente da Comissão Executiva da Ascendi (uma das demandadas no processo), Fontes de Carvalho era, à data dos incêndios, em 17 de junho de 2017, presidente da Comissão Executiva da empresa.
Constituído arguido no decurso do inquérito que investigou estes fogos, o Ministério Público (MP) decidiu não o acusar, por não ser possível assacar-lhe qualquer responsabilidade criminal.
A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava a Estrada Nacional (EN) 236-1, onde ocorreu a maioria das mortes destes incêndios, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior, à qual cabia proceder à gestão de combustível.
Salientando não ter razão para duvidar de que fosse cumprida "com rigor" a limpeza da faixa de gestão de combustível, o demandado frisou que "era prática da Ascendi executar os cortes [de vegetação] e cumprir com a lei", o que, naquela via, era feito duas vezes por ano, em três metros.
"O contrato [de subconcessão] especifica o dever e esses deveres eram cumpridos, de acordo com o manual de operações e com a lei", frisou, ao falar sobre a limpeza das bermas da EN 236-1.
Questionado sobre se antes de 17 de junho de 2017 teve conhecimento se foi realizada a gestão das faixas de combustível junto à EN 236-1 nos tais três metros, o demandando respondeu que "ninguém comunicou, nem tinha de comunicar" a realização de tais trabalhos, pois "não era um assunto que subisse à Comissão Executiva".
O demandado foi depois confrontado com cadernos de encargos feitos com uma empresa para assegurar a faixa de gestão de combustível naquela estrada, faixa então com cinco metros, explicando que esta foi uma determinação do arguido José Revés, que, segundo o MP, tinha o pelouro da Área de Operação e Manutenção da empresa.
Augusto Fontes de Carvalho foi ainda confrontado com a renegociação do contrato de subconcessão, na sequência da situação de contingência do país, com a entrada da 'troika', para "reduzir custos".
Embora assinado depois dos incêndios, no contrato renegociado tinha ficado consensualizada a limpeza da faixa de combustível uma vez por ano, em três metros, sendo que a subconcessão já não incluiria a EN 236-1, esclareceu o demandado, reconhecendo que ninguém do Estado colocou a possibilidade de a situação poder desencadear problemas sérios por falta de limpeza.
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi, e os ex-presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
O julgamento prossegue hoje à tarde.
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