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"A mãe não hesitou, tirou um nariz vermelho e colocou no ventilador"

Na véspera da comemoração dos 20 anos da associação Operação Nariz Vermelho, o Notícias ao Minuto falou com duas doutoras muito especiais que nos contaram o mais marcante da missão que as une: levar sorrisos a crianças hospitalizadas.

"A mãe não hesitou, tirou um nariz vermelho e colocou no ventilador"

A Operação Nariz Vermelho (ONV) celebra no dia 1 de junho – Dia da Criança - 20 anos, duas décadas em que a principal missão foi, e é, encher de sorrisos crianças hospitalizadas. No âmbito deste marco, o Notícias ao Minuto falou com duas 'doutoras palhaças', Marta de Carvalho e Filipa Mendes. 

Com formação especializada em meio hospitalar, estas doutoras - conhecidas pela ‘pequenada’ por Super Dr.ª Ginjação e Doutora Aurora Benvinda - contaram-nos como foram os últimos dois anos de pandemia, as histórias que mais as marcaram, as dificuldades - mas também alegrias - das suas missões.

“Acredito o nosso trabalho faz a diferença desde que saímos do local onde nos vestimos e damos o primeiro passo como Doutores Palhaços no hospital”, começa por dizer Filipa Mendes. 

Já Marta de Carvalho destaca as “muitas aprendizagens” durante o período de pandemia em que o encontro físico era impossível e sublinha: “Existem conquistas, sorrisos, jogos e olhares que dificilmente esqueceremos”.

É assim que habitamos o hospital, com esse olhar, um olhar onde tudo o que acontece é alimento para novas possibilidades.O que custou mais durante a pandemia?

Marta de Carvalho - "A impossibilidade do encontro presencial. Com a pandemia deixámos de poder sair para trabalhar e encontrar a nossa dupla, encontrar a criança, os seus familiares e os profissionais do hospital. Estar em casa privou-nos de poder partilhar de forma física a nossa arte. Mas depressa encontrámos estratégias e, mesmo à distância, fomos um grupo, grupo esse que se reinventou artística e profissionalmente. Foram muitas as aprendizagens neste percurso, e ainda que numa primeira instância tenhamos saído da nossa zona de conforto, temos sempre como foco a possibilidade de transformação e reinvenção. É assim que habitamos o hospital, com esse olhar, um olhar onde tudo o que acontece é alimento para novas possibilidades."

Quando é que sentem que o vosso trabalho faz a diferença?

Filipa Mendes - "Acredito o nosso trabalho faz a diferença desde que saímos do local onde nos vestimos e damos o primeiro passo como Doutores Palhaços no hospital. A partir do momento em que nos relacionamos e criamos contato com o primeiro olhar, seja ele por um profissional, criança, utente ou acompanhante. A partir do momento em que esse contato repercute algo no outro."

Somos como seres que oferecem um estado de jogo, brincadeira, fantasia..."A partir do momento em que acrescentamos algo ao dia daquela criança. A partir do momento em que ela aceita brincar e entrar num mundo imaginário e se diverte, esquecendo por aquele momento que está num hospital. Sinto que fazemos a diferença porque trazemos uma energia fora do quotidiano, fora do comum, àquele lugar. Somos como seres que oferecem um estado de jogo, brincadeira, fantasia, absurdo e disponibilidade para quem por nós cruza."

Notícias ao Minuto Doutoras palhaças, Operação Nariz Vermelho© D.R.  

"Estamos no hospital com um objetivo muito claro e um papel muito definido: levar alegria às crianças hospitalizadas e transformar o seu ambiente de forma artística. Também penso que fazemos a diferença quando unimos forças com os profissionais do hospital e juntos amenizamos momentos que podiam ser mais dolorosos e desafiantes para a criança. Seja no acompanhamento das enfermeiras em procedimentos mais invasivos, ou com fisioterapeutas e ortopedistas enquanto manipulam a criança."

Que histórias ficam para sempre?

Marta de Carvalho - "Cada momento que vivemos no hospital é a história de um encontro que fica escrito algures na memória e experiência dos seus intervenientes. Existem conquistas, sorrisos, jogos e olhares que dificilmente esqueceremos."

Cantámos sobre o ursinho do pijama do menino e, para nossa surpresa, ele começou a abrir o casaco para nos mostrar o ursinho.

"Uma vez entrámos no quarto de um menino que, durante a Transmissão, as enfermeiras nos tinham dito que não estava muito consciente ou presente. Começámos então por cantar uma canção. A canção que escolhemos faz parte do nosso repertório musical mas, aos poucos, foi-se transformando. A letra começou a ser improvisada e a falar dos pormenores e detalhes daquele quarto. Cantámos sobre o ursinho do pijama do menino e, para nossa surpresa, ele começou a abrir o casaco para nos mostrar o ursinho. No quarto estávamos apenas nós e o menino, fomos completamente surpreendidos pela sua reação, apesar de aparentemente tão ausente. No Encontro, abre-se espaço ao olhar atento a cada criança no aqui e no agora."

Notícias ao Minuto Super Dra.ª Ginjação, Marta de Carvalho © D.R.

"Existem também as intemporais coreografias de TikTok nos corredores do IPO de Lisboa, com músicas e coreografias escolhidas por uma adolescente amiga de palhaços. Sim, parece improvável, mas adolescentes e palhaços podem ser grandes parceiros. Quando chegávamos ao serviço, já estavam todos à espera daquele momento, Doutores Palhaços, doutores a sério, enfermeiras, auxiliares, pais, crianças e até adolescentes, juntos a dançar no corredor de um hospital!"

Filipa Mendes - "Uma história que vai ficar para sempre: uma vez em que me chamaram para uma despedida. Há várias semanas que seguíamos o caso daquele menino, que natural e rapidamente se tornou nosso amigo. Cada dia criávamos uma festa diferente naquele quarto, onde ele, a mãe e as enfermeiras faziam parte."

A mãe não hesitou, tirou um nariz vermelho de esponja da mala e colocou no ventilador porque ‘ele iria gostar de vos ter aqui’

"Num determinado dia, as enfermeiras informaram-nos de forma muito suave de que o seu estado de saúde se tinha alterado e que talvez aquele fosse o dia de nos despedirmos. Este foi um pedido da mãe. Entrámos no quarto, onde o nosso amigo estava de olhos fechados, com um ventilador. A mãe não hesitou, tirou um nariz vermelho de esponja da mala e colocou no ventilador, porque ‘ele iria gostar de vos ter aqui’. Foi um momento muito bonito. Cantámos uma música muito suave e delicada e saímos."

Notícias ao Minuto Doutora Aurora Benvinda, Filipa Mendes© D.R.  

"Tocam-me especialmente histórias de conquistas, onde inicialmente a criança não está muito recetiva e aos poucos vai entrando nas nossas brincadeiras. Lembro-me de uma menina que, quando tentávamos entrar no quarto, gritava. Tentámos várias vezes e a sua reação era sempre a mesma. Ficamos um pouco preocupados a tentar entender porque ela gritava. Até que entendemos que essa era a sua forma de jogar.

 Fingimos que ao entrar batíamos com a cabeça na porta e ela começou a rir às gargalhadas.

"Então procurámos formas de tentar entrar. Fingimos que ao entrar batíamos com a cabeça na porta e ela começou a rir às gargalhadas. Entendemos que esse era o caminho para a conquista. Na semana seguinte, ganhámos a sua confiança e entrámos no quarto sem que ela gritasse, mas… não podíamos passar do sofá! Ela voltava logo a gritar. Mas fomos repetindo e adaptando o jogo, as semanas foram passando e ao longo do tempo esta menina tornou-se nossa amiga e parceira de várias músicas, coreografias e jogos pelos corredores e até nos quartos de outros meninos ela nos acompanhava."

Refira-se que a associação Operação Nariz Vermelho (ONV) apresenta na próxima quarta-feira, no Hospital D. Estefânia, em Lisboa, um musical e uma exposição sobre os doutores palhaços que alegram há vinte anos crianças hospitalizadas.

Leia Também: Operação Nariz Vermelho estreia musical e exposição pelo 20.º aniversário

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