"Temos vindo a observar um aumento de casos de infertilidade masculina"
Pedro Xavier, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução (SPMR) e membro da Comissão Nacional de Procriação Medicamente Assistida, é o convidado do Vozes ao Minuto desta terça-feira.
© D.R
País Infertilidade
À luz do Dia Mundial da Fertilidade, que se assinalou no passado fim de semana, o Notícias ao Minuto falou com o Prof. Pedro Xavier, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução (SPMR) e membro da Comissão Nacional de Procriação Medicamente Assistida.
Numa altura em que se estima que em Portugal existam cerca de 300 mil casais inférteis e que um em cada dez casais tenha problemas de fertilidade, a realidade da Procriação Medicamente Assistida (PMA) em Portugal é preocupante.
Uma situação que já era frágil foi agravada pela pandemia de Covid-19 - porque os centros de tratamento de PMA tiveram de encerrar durante um grande período de tempo e não conseguiram recuperar as listas de espera. Atualmente, a lista de espera do Banco de Gâmetas é três anos e meio.
É difícil compreender que, num país que assiste ao envelhecimento progressivo da sua população, não haja um investimento sério num dos poucos setores do SNS que lida ativamente com o aumento da natalidade
Quais são as causas mais frequentes de infertilidade e quais os principais desafios dos diagnósticos?
As principais causas da infertilidade podem esquematizar-se em dois grandes grupos: femininas e masculinas. Temos vindo a observar um aumento da prevalência de casos de infertilidade masculina, que atualmente estão presentes em quase 50% dos casos. Devem-se sobretudo a problemas na produção de espermatozoides, quer em número, quer em qualidade funcional. No caso da mulher, o fator idade é porventura o mais importante. Não sendo uma doença, a idade mais avançada da mulher (sobretudo após os 35 anos), é seguramente responsável por muitos casos de infertilidade, uma vez que afeta diretamente a quantidade e a qualidade dos óvulos de que dispõe. Quando falamos de doenças que afetam a fertilidade feminina, as mais comuns são as alterações da ovulação, as doenças que afetam o útero e as trompas uterinas e a endometriose.
Os desafios diagnósticos são grandes porque muitas causas ocorrem ao nível celular e molecular e não têm tradução nos resultados dos exames que fazemos para estudar a infertilidade. É por essa razão que em cerca de 10 a 15% dos casais não encontramos uma razão para o problema.
Estima-se que em Portugal existam cerca de 300 mil casais inférteis e que um em cada dez casais tenha problemas de fertilidade. Há mais causas para a infertilidade na mulher?
A mulher é, quase sempre, a chave do sucesso de um tratamento de fertilidade, uma vez que o ovócito, em termos reprodutivos é mais importante do que o espermatozoide. É por essa razão que se fala tanto na mulher quando há uma situação de infertilidade. No entanto, as causas identificadas estão atualmente distribuídas de forma quase simétrica, 50% para causas femininas e 50% masculinas.
Como define o atual estado da PMA em Portugal e do banco de Gâmetas?
Quando nos comparamos com os países mais desenvolvidos, no que diz respeito às práticas e às taxas de sucesso dos tratamentos, estamos dentro da linha do que se faz nos países mais desenvolvidos. Estamos mal no que respeita à acessibilidade. Em termos concretos, deveríamos estar a realizar cerca do dobro dos tratamentos do que o que fazemos atualmente. Esse número fica aquém, por questões relacionadas com dois aspetos. Um deles é a difícil acessibilidade dos doentes aos Centros públicos, que, infelizmente, estão longe de conseguir dar uma resposta aos muitos pedidos de tratamentos que lhes chegam. Este fato leva a que as listas de espera, para realizar tratamentos nestes Centros, sejam geralmente superiores a um ano. Infelizmente é um problema crónico. O tempo médio de espera para uma primeira consulta é de cerca de 4 a 6 meses e de cerca de 18 meses para a realização de um tratamento de procriação medicamente assistida convencional. Se falarmos do Banco Público de Gâmetas o problema é ainda mais gritante, uma vez que os tempos médios de espera para um tratamento com recurso a dádivas de óvulos ou espermatozoides é de aproximadamente três anos e meio. É difícil compreender que, num país que assiste ao envelhecimento progressivo da sua população, não haja um investimento sério num dos poucos setores do SNS que lida ativamente com o aumento da natalidade.
A outra causa para a dificuldade do acesso aos tratamentos prende-se com os elevados custos dos tratamentos nos Centros privados, motivo que afasta muitos casais e mulheres do setor privado, onde a resposta é quase imediata.
Que lacunas aponta aos recursos humanos e espaços físicos?
O país tem dez Centros Públicos (o Algarve terá em breve o 11.º a funcionar em pleno), o que em termos de distribuição geográfica é adequado. No entanto, para darem resposta aos inúmeros pedidos de tratamento, deveriam ter uma maior capacidade de recursos humanos e, naturalmente espaços físicos e equipamentos adequados a esse aumento da atividade. Com a capacidade existente é quase impossível aos Centros públicos fazerem mais do que o que já fazem.
A maior parte das doações continuam a ser feitas aos privados. Porquê?
A razão prende-se sobretudo com a falta de recursos do Banco Público de Gâmetas. Faltam os espaços físicos, equipamentos e sobretudo recursos humanos atrás referidos. Muitos candidatos a doar no SNS esbarram com tempos de espera para concretizar essas dádivas que são claramente superiores aos do setor privado e isso afasta muito candidatos do setor público.
Se não houver uma compensação que, pelo menos, cubra essas despesas, muitos potenciais dadores masculinos acabarão por desistir
Como amenizar a queda de doações com a pandemia?
Quando, em 2018, o Tribunal Constitucional aboliu o regime de anonimato nas doações de gâmetas temeu-se que ocorresse uma grande quebra nas doações. Nessa altura a Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução realizou uma campanha para sensibilizar os nossos jovens a doar gâmetas. Foi um tema que esteve em cima da mesa nos meios de comunicação social durante vários meses e, com isso, o número de doações aumentou em relação ao período anterior ao da abolição do anonimato. Isto significa que estratégias que passem pela realização de campanhas de sensibilização, articuladas com um maior investimento no Banco Público de Gâmetas, poderão ser a chave para dinamizar essas dádivas.
Como se justifica o maior número de doações por parte de mulheres do que de homens?
Creio que existem duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, acredito que as mulheres estão mais sensibilizadas para as questões da parentalidade e, por esse motivo, podem ter mais motivações altruístas para concretizar essas doações. Por outro lado, a compensação financeira que é atribuída aos dadores masculinos é, na minha opinião, bastante baixa (cerca de 50€ comparada com os cerca de 850€ no caso das mulheres). Por muito que se pretenda associar a dádiva a um ato puramente altruísta, não podemos esquecer que uma doação implica custos para os dadores, nomeadamente com deslocações e faltas aos empregos. Se não houver uma compensação que, pelo menos, cubra essas despesas, muitos potenciais dadores masculinos acabarão por desistir.
A questão psicológica foi negligenciada durante muitos anos
Qual o procedimento que mais se realiza em Portugal e quais as taxas de sucesso dos diferentes procedimentos?
Existem dois tipos de abordagem: cirúrgica e médica. A cirúrgica aplica-se no caso de problemas vasculares do testículo ou de certas doenças do útero (pólipos, miomas), das trompas uterinas ou de alguns quistos ováricos. No entanto, a abordagem médica é a mais comum. Para uma melhor sistematização divide-se em tratamentos de primeira e de segunda linha. Os chamados tratamento de primeira linha, que consistem fundamentalmente em otimizar o processo de fecundação natural. Refiro-me às induções da ovulação e à inseminação artificial (IA). O outro grupo de tratamentos, ditos de 2.ª linha, é constituído por um conjunto de procedimentos que designamos por técnicas de procriação medicamente assistida. São os tratamentos mais frequentemente realizados em Portugal e são mais complexos, uma vez que envolvem uma componente laboratorial mais importante e em que a fecundação é levada a cabo no laboratório. Os mais comuns são a Fertilização in Vitro (FIV), a Microinjeção Intracitoplasmática de Espermatozoides (ICSI), a Transferência de Embriões Criopreservados (TEC) e os Testes Genéticos Pré-implantação (PGT).
As taxas de sucesso variam com cada um dos tratamentos e com a idade dos pacientes, sobretudo da mulher. No caso da IA podemos apontar para uma probabilidade de gravidez a rondar os 10 a 15% por cada tratamento. No entanto com as técnicas de FIV e ICSI estes números podem chegar a valores de 50%, sobretudo nos casais em que as mulheres tenham menos de 35 anos de idade. Se falarmos em tratamentos realizados com ovócitos doados a taxa de sucesso pode ser superior a 60%.
Cerca de 25 a 40% dos casais inférteis apresenta sinais de ansiedade e depressão. Como gerir esta parte? Ainda falta apoio psicológico?
A questão psicológica foi negligenciada durante muitos anos, mas atualmente os Centros de PMA já se preocupam bastante com essa vertente do problema. Todos os Centros têm uma equipa de psicólogos para dar apoio a estes casais. No entanto, há ainda muito por fazer, nomeadamente nas situações em que os casais sofrem em silêncio e não procuram essa ajuda. É necessário implementar modelos de apoio em que não se esteja à espera de um pedido de ajuda, uma vez que esse pedido nem sempre chega.
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