"A história é triste e simples de contar. Ana Trindade e Alejandro Riera, ambos residentes em Barcelona, desentenderam-se e romperam a vida conjugal, sendo ambos pais de um menino chamado Bastián Riera Trindade, de 5 anos de idade. Nenhum dos progenitores quer prescindir da guarda monoparental, e a mãe, em insanável conflito com o pai, apresentou várias queixas nos tribunais competentes da cidade condal, alegando práticas de violência doméstica e abuso sexual de menor. Nem mais!
Porém, todas as queixas apresentadas foram consideradas sem fundamento, e, em face de tamanho insucesso estratégico, Ana Patrícia decidiu raptar o filho a 6 de maio do ano corrente e trazê-lo para Portugal, para uma eco-aldeia, em Lagos, no Algarve. Depois assistiu-se à demora habitual das nossas autoridades quanto ao cumprimento das normas internacionais vigentes, seguida da impaciência de um pai que resolveu contratar uma agência de detetives privados para efetuarem as respetivas buscas. Por fim, e recorrendo ao uso de expedientes ardilosos, conseguiu recuperar a guarda do filho, porque o tempo, nestes procedimentos burocráticos com o estrangeiro, favorece sempre o raptor.
Ora bem, em termos jurídicos, estamos perante um rapto internacional de menor, rapto esse que se verifica quando um dos progenitores (o progenitor-raptor), de forma unilateral, decide – sem o consentimento do outro progenitor (o progenitor privado do menor) e sem autorização judicial – reter ou deslocar um filho, menor de 16 anos de idade, do Estado onde este reside habitualmente para outro Estado, de maneira ilícita, isto é, sem estar autorizado.
Existem mecanismos internacionais que asseguram o regresso imediato de crianças ilegitimamente deslocadas ou retidas noutro país
Para tais situações existem mecanismos internacionais que asseguram o regresso imediato de crianças ilegitimamente deslocadas ou retidas noutro país e fazer respeitar, de maneira efetiva, os direitos de custódia e de visita.
Alejandro Riera, seguindo os procedimentos em vigor, participou a retirada do menor à Autoridade Central da sua residência habitual, que é Barcelona, para que lhe seja prestada assistência por forma a assegurar o seu regresso. Para a restituição de menores ilicitamente deslocados ou retidos noutro país, o instrumento jurídico internacional de aplicação é a Convenção da Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças. Essa Convenção foi subscrita por Portugal, Espanha e por um total de 90 países, sendo apenas aplicável aos que a ela aderiram.
A Convenção da Haia estabelece um sistema de cooperação internacional entre as autoridades centrais de cada país, a fim de permitir um regresso imediato do menor ao país onde habitualmente reside. Por isso, torna-se fundamental que o país para o qual o menor foi deslocado tenha aderido à referida Convenção da Haia, ou seja, que esse país seja membro da União Europeia.
No entanto, há que cumprir alguns requisitos que se encontram previstos na Convenção da Haia, tais como: 1) que o filho seja menor de 16 anos; 2) que o menor tenha, antes do rapto, residência habitual num Estado-membro da União Europeia ou em qualquer dos Estados aderentes à Convenção da Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças; 3) que o progenitor que apresenta o pedido de restituição tenha, no momento do rapto, o direito de custódia e que o exercia até ao rapto; e 4) que haja decorrido um prazo inferior a um ano desde a data do rapto (deslocação ou retenção ilícita). Acrescente-se que, para além deste prazo, a autoridade judicial ou administrativa pode ainda ordenar o regresso da criança, exceto se for provado que a mesma já se encontra integrada no seu novo ambiente.
Todavia, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao dito regresso provar que quem a tinha a seu cuidado não exercia efetivamente o direito de custódia ao tempo da deslocação ou retenção, ou que algum acordo foi posteriormente consentido a essa mesma deslocação. A dita autoridade judicial ou administrativa também não é obrigada a ordenar o regresso da criança se existir um risco grave de ela vir a ficar sujeita a perigos de ordem física ou psicológica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.
(...) Nem sempre as autoridades os restituem em prazos aceitáveis, levantando barreiras e mais barreiras, perdendo sempre o elemento da família mais frágil, que é a criança
O mesmo se aplica caso criança se oponha ao seu próprio regresso ou se já tiver atingido uma idade e um grau de maturidade que permita aceitar como credíveis as suas opiniões sobre a permanência num Estado diferente da sua anterior residência.
Embora existam normas internacionais que protegem os direitos dos pais que, ilicitamente, se veem sem a possibilidade de privar com os filhos, nem sempre as autoridades os restituem em prazos aceitáveis, levantando barreiras e mais barreiras, perdendo sempre o elemento da família mais frágil, que é a criança."
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