"As áreas afetadas por cheias sistematicamente não devem ser reocupadas. Conforme as situações específicas, temos de começar a pensar em políticas de deslocalização", disse à Lusa a especialista, que é coordenadora do mestrado de Urbanismo Sustentável e Ordenamento do Território da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Esta professora sublinhou que não está "nada surpreendida" com o que aconteceu na área metropolitana de Lisboa, recordando que "nas últimas inundações houve problemas idênticos nos mesmos sítios".
"Acho profundamente negativo estar a permitir continuar a instalar comércio em caves de uma rua que eu tenho a certeza que vai inundar novamente, se houver precipitação intensa", afirmou, manifestando-se contra a criação de uma "segurança fictícia".
A especialista defende que se comecem a "identificar as áreas de risco", nas quais devem ser tomadas "medidas drásticas de não reocupar", e ainda que se aproveite "uma situação em que houve uma destruição para se deslocalizar", para que não volte a acontecer o mesmo.
"Nós vamos ter de intervir num território fortemente urbanizado e para o mesmo problema temos de ter mais do que uma ação, em diferentes domínios, para obter resultados satisfatórios", insistiu a professora universitária.
O ponto de partida para analisar o problema é "olhar para a rede hidrográfica", defendeu, elencando uma série de medidas que podem ser tomadas, começando pela construção de bacias de retenção e diques, "sobretudo nas partes mais altas".
Nesses locais podem ser alcançados níveis de infiltração e de reservas de água que serão "úteis" em situações de seca ou durante a época mais seca de verão, referiu.
Outra medida avançada por Margarida Pereira é a "renaturalização, quando possível, de linhas de água" de forma a travar a impermeabilização dos solos provocado pela construção urbana.
"O que se tem verificado quando temos linhas de água de pequenas dimensões é fazerem-se canalizações dessas linhas, impermeabilização dos terrenos e em seguida construção de edifícios", explicou a geógrafa, dando como exemplo o que acontece em "vários troços" da ribeira de Algés e da ribeira de Alcântara.
A docente defendeu ainda que, dentro do possível, se retirem tubos e se volte "a colocar a linha de água a céu aberto no seu leito normal, voltando a ter o espaço natural", como aconteceu numa intervenção feita na Praça de Espanha, em Lisboa.
"A renaturalização tem múltiplas vantagens, como o aumento da área de infiltração, permitir a plantação de vegetação ao longo das margens para fixar o solo e trazer a biodiversidade para o centro da cidade", ilustrou Margarida Pereira.
Travar a "impermeabilização sistemática", por exemplo, dos logradouros em áreas urbanas é outra das medidas defendidas pela especialista, que deu como exemplo o que aconteceu nas avenidas novas de Lisboa, em que muitos logradouros de edifícios estão agora impermeabilizados, "quando antes eram espaços permeáveis".
A professora universitária insiste que as autoridades municipais deviam "converter, sempre que for possível", espaços como os ocupados por edifícios antigos em espaços permeáveis com jardins.
Por outro lado, uma medida que, admitiu, é de "difícil aplicação", seria a de proibir a reabilitação de construções ou ocupação de um espaço quando este está em leito de cheia (área de inundação) dentro de uma zona urbana já consolidada.
Margarida Pereira deu como exemplo os grandes edifícios que foram construídos nos últimos anos nos leitos de cheias de Algés e Alcântara, que intensificaram a impermeabilização dessas zonas.
"As áreas inundáveis deviam estar sinalizadas por parte de todos os municípios para, assim, sensibilizar os cidadãos para que essas zonas não sejam ocupadas", afirmou.
Afirmando ter noção de que algumas das medidas são "duras" e muitas delas "ninguém quer ouvir falar", a geógrafa considerou importante alertar para questões que "não são novas" e que atualmente "afetam menos pessoas, mas têm um grau maior de destruição".
A chuva intensa e persistente que caiu nos últimos dias causou milhares de ocorrências, entre alagamentos, inundações, quedas de árvores e cortes de estradas, afetando sobretudo os distritos de Lisboa, Setúbal, Portalegre e Santarém.
Leia Também: Meio milhão de euros "não basta" para recuperar Sport Algés e Dafundo