No discurso efetuado na cerimónia de abertura do Ano Judicial, no STJ, em Lisboa, Henrique Araújo realçou a necessidade de uma "reforma de fundo, com implicações ao nível da própria alteração do modelo de organização judiciária desenhado no texto constitucional", mas mostrou-se descrente relativamente à concretização de mudanças significativas.
"Pelos sinais que chegam, não creio que este último entendimento possa fazer caminho nos próximos tempos. Consultadas as propostas de revisão constitucional das várias forças políticas com assento parlamentar, estou convicto de que nada de estrutural mudará no que respeita à organização dos tribunais", admitiu, criticando ainda a passagem da Justiça para "um plano bem secundário" no debate político.
Reivindicando a independência do poder judicial e de que esta condição é "um meio para garantir o Estado de direito democrático", o presidente do STJ - e, por inerência, do Conselho Superior da Magistratura - reclamou mudanças no financiamento dos tribunais, ao notar que as verbas têm sido "sistematicamente inferiores às necessidades", mas também ao nível do sistema eletrónico de gestão dos processos.
"Essa plataforma continua a ser detida pelo Ministério da Justiça, situação que conflitua, flagrantemente, com o princípio da separação de poderes, devendo o seu domínio passar para as mãos do Conselho Superior da Magistratura", observou, assegurando que "é indispensável que o poder judicial esteja a salvo da interferência dos outros poderes".
O presidente do STJ alertou também para a carência de estruturas de apoio aos juízes e para a situação de "iminente rutura" de diversos tribunais, tanto ao nível dos recursos humanos - com um número de funcionários judiciais "extraordinariamente escasso para o volume de serviço existente" -, como em termos logísticos, com "edifícios indignos ou em instalações provisórias, sem o mínimo de condições" para os profissionais do setor.
Perante o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, Henrique Araújo apelou igualmente à revisão das leis processuais, quer na jurisdição cível, quer na jurisdição penal, focando-se na redução de mecanismos que permitem adiar no tempo o andamento dos processos, "eliminando-se a utilização abusiva das garantias processuais que visam retardar o julgamento ou evitar o trânsito em julgado da decisão".
Argumentando contra o abuso deste tipo de recursos e que a maioria visa "levar o processo à prescrição", o presidente do STJ deu como exemplo de mudança o atual caráter suspensivo dos recursos para o Tribunal Constitucional, considerando que estas ações devem deixar de suspender a execução das decisões judiciais.
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