Do Governo "cansado" à "desilusão" sobre abusos. A entrevista de Marcelo

O Presidente da República concedeu, esta quinta-feira, uma entrevista à RTP e ao jornal Público, precisamente no dia em que cumpre sete anos no cargo.

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Ema Gil Pires
09/03/2023 20:53 ‧ 09/03/2023 por Ema Gil Pires

País

Marcelo Rebelo de Sousa

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou esta quinta-feira, em entrevista à RTP e ao jornal Público, que o Governo agora em funções "nasceu com uma maioria já requentada e cansada".

O chefe de Estado lembrou, neste contexto, que em 2022 "ficou interrompida uma legislatura", o que teve claras consequências para a governabilidade do país que se seguiu: "as maiorias que não nascem de novo, com um governo com seis anos, acabou por tornar-se numa maioria cansada que demorou muito tempo a formar-se".

Em jeito de análise sobre os primeiros meses de legislatura, o chefe de Estado apontou que, "até setembro, houve realmente um tempo perdido, que, depois, se prolongou com vicissitudes", apontou Marcelo, lembrando as várias polémicas que afetaram já o atual Executivo liderado por António Costa.

Além disso, o panorama (inter)nacional em que este Executivo tomava posse não era o mais favorável, lembrou o chefe de Estado. Isto porque o mandato "começou com uma guerra em curso, e com um Orçamento do Estado por aprovar".

Face a este cenário internacional, e olhando também para a atuação tida por outros países, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que "num contexto de guerra e de gestão de crise", os Estados estão apenas focados em "gerir o dia a dia, e a olhar para o curto prazo" - como, explicou, acontece atualmente com Portugal.

“Clima de contestação generalizado? Ainda não há”

Questionado sobre se existe já um clima de contestação generalizado em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa disse: "Ainda não há". E explicou: "Não há porque o desemprego tem sido uma variável com uma evolução contida e, por isso, favorável".

As declarações foram proferidas num contexto de greves sucessivas de professores, que têm estado envolvidos em negociações sucessivas com o Ministério da Educação. "Tem de haver um acordo para a recuperação faseada do tempo de serviço", defendeu o chefe de Estado, apelando à capacidade de negociação mútua.

Até porque a possibilidade de uma recuperação integral do mesmo, como defendido pelos sindicados, não parece exequível para o Presidente da República. "Financeiramente, não penso que seja possível, neste momento", referiu.

Sobre esta luta dos docentes, o Presidente da República destacou que a mesma “é justa, porque é um acumular de muitos Governos e de muitos anos".

Porém, no que diz respeito às novas formas de luta, o chefe de Estado apontou que as mesmas "não têm enquadramento legal", e defendeu que têm de estar "previstas na lei para dar previsibilidade” a toda a sociedade e a todas as partes envolvidas.

"Governo de direita teria outra política" quanto ao SNS

Já no que toca à saúde e, em concreto, ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), Marcelo Rebelo de Sousa disse ter sido sempre "a favor" da nomeação de uma direção executiva para este serviço. Isto porque, "se funcionar, é uma forma de salvar o SNS", argumentou.

Apontando que um "Governo de direita teria outra política" para "dar resposta aos problemas do SNS", nomeadamente recorrendo aos privados, o chefe de Estado destacou, ainda assim, que esse passo foi o "possível".

"Uma população mais pobre é mais doente e mais carenciada. E o SNS é, conjuntamente com as pensões, com a reforma, o que há de seguro de vida remanescente dos mais idosos e dos mais pobres em Portugal, que são milhões", lembrou o Presidente da República, sobre este tema.

'Mais Habitação'? "É de louvar, ao fim de sete anos de Governo"

Quanto ao pacote 'Mais Habitação, apresentado pelo Executivo socialista para fazer face à atual crise no setor, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que "é de louvar, ao fim de sete anos de Governo, ter sido apresentado um pacote desta dimensão, para recuperar os sete anos anteriores". E acrescentou, além disso, que este é um "programa fundamental à sociedade portuguesa".

Lembrando que, "agora, já se abriu o melão", ou seja, que já se ficou a conhecer as medidas inseridas neste pacote mais a fundo, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que até se "ficou a conhecer dois melões: o do Governo e o do PSD. Só que o do Governo já está aberto, e o do PSD ainda não, porque ainda não apresenta as leis" que se propõem neste âmbito.

O chefe de Estado, acerca destas propostas do Executivo socialista, disse ainda que "há aqui propostas que se percebe, logo à partida, que são ótimas ideias, mas que, provavelmente, vão demorar tanto tempo que não vão ter o sucesso desejável".

Para explicar as dificuldades vividas pelo país nesta matéria da habitação, o chefe de Estado lembrou que "o Governo apanhou o controlo do défice, uma crise do sistema bancário e, quando ia a levantar a cabeça, chegou a pandemia, e depois ainda veio a guerra". E justificou: "Não há assim muitos Governos que tenham apanhado assim tantas coisas de seguida".

IGF sobre TAP: "Por um lado, foi uma surpresa"

Sobre o relatório da Inspeção-Geral de Finanças sobre a polémica indemnização atribuída pela TAP a Alexandra Reis, Marcelo Rebelo de Sousa disse que, "por um lado, foi uma confirmação, por outro foi uma surpresa".

Uma das partes surpreendentes reveladas por este documento, na perspetiva do chefe de Estado, passava pelo facto de "a interessada", neste caso Alexandra Reis, estar na administração da TAP "há menos de 12 meses" no momento em que abandonou a mesma.

"Em termos de responsabilidade dos membros do Governo que tinham a tutela do setor, resolveram-se no entretanto. Demorou tanto tempo ao Governo para se aperceber da importância do facto que, pelo meio, saiu por razões de remodelação o ministro das Finanças (João Leão), e saiu pelo seu pé o ministro das Infraestruturas", Pedro Nuno Santos, elaborou.

Sobre esta questão, o chefe de Estado criticou ainda a "ligeireza nas escolhas feitas pelo Governo" no momento da escolha de membros para fazerem parte do Executivo e falta de um "questionário mental exigente" capaz de ajudar nesse processo, lembrando que Alexandra Reis, meses após ter recebido a indemnização no valor de 500 mil euros, foi nomeada secretária de Estado do Tesouro.

"O Governo tem de ter a noção que vai ser, até ao fim das suas funções, alvo do escrutínio rigorosíssimo neste tipo de questões. E o ministro das Finanças, a seguir ao primeiro-ministro, é porventura a figura mais importante do Governo neste momento, portanto, haverá uma concentração de foco sobre ele", determinou o chefe de Estado.

Uma "desilusão" chamada Conferência Episcopal Portuguesa

Sobre a crise que se tem feito sentir na Igreja Católica em Portugal, o chefe de Estado quis ressalvar que a Conferência Episcopal Portuguesa "ficou aquém ao não assumir a responsabilidade" pelos milhares de casos de abusos sexuais reportados pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa - e, também, por "não tomar medidas preventivas" neste âmbito. "Foi uma desilusão a sua posição", determinou.

Considerando ser "óbvio" que os padres identificados por esta comissão deviam ser suspensos preventivamente, Marcelo Rebelo de Sousa perguntou "qual é a hesitação" da Conferência Episcopal Portuguesa, acusando-a de ter passado "ao lado" de uma série de "problemas". E acrescentou: "E isso, enquanto Presidente da República, incomoda-me imenso, porque a Igreja é uma instituição fundamental na sociedade portuguesa".

Marcelo Rebelo de Sousa argumentou ainda que se esta instituição, "de repente, sofre na sua confiabilidade, na sua credibilidade, numa questão tão básica como esta, isso depois repercute-se na vida dos portugueses".

Perante este cenário, o Presidente da República determinou que "quem falou em nome da Conferência Episcopal" falhou, ao não "agir rápido, assumir a responsabilidade, tomar medidas preventivas e aceitar a reparação", no que concerne estes casos de abuso. Aliás, aconteceu "tudo ao contrário", julgou.

Marcelo Rebelo de Sousa pediu assim que se faça uma "reflexão complementar para reencontrar o caminho que se perdeu nestes 20 dias" - ou seja, desde que a comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht divulgou o seu relatório sobre os casos de abusos perpetrados por membros da Igreja Católica.

Marcelo Rebelo de Sousa concedeu, esta quinta-feira, uma entrevista à RTP e ao jornal Público, no dia em que cumpre sete anos no cargo de Presidente da República, e na qual se propunha a fazer uma análise sobre o atual estado do país.

A visão do chefe de Estado foi partilhada num contexto que continua a ficar marcado pela guerra na Ucrânia, pelas dificuldades impostas pela inflação e, também, por um forte ambiente de contestação social, como é exemplo disso o setor da Educação.

Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse, para o seu primeiro mandato, a 9 de março de 2016, após ter sido eleito a 24 de janeiro do mesmo ano. Foi depois nomeado, pela nação, para um segundo mandato, numa eleição que decorreu a 24 de janeiro de 2021, segundo pode ler-se no site da Presidência da República.

[Notícia atualizada às 22h18]

Leia Também: Luís Montenegro destaca sete anos de "um Presidente diferente"

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