Na leitura do acórdão, no Juízo Central Criminal de Lisboa, a juíza-presidente, Helena Susano, considerou o arguido Cláudio Coimbra culpado do homicídio qualificado de Fábio Guerra (pena de 16 anos), das tentativas de homicídio de João Gonçalves e Cláudio Pereira (quatro anos para cada) e das ofensas à integridade física de Cláudio Pereira e dos agentes Leonel Moreira e Rafael Lopes (que totalizaram quatro anos), tendo o cúmulo jurídico dessas penas parcelares se traduzido numa pena única de 20 anos de prisão.
Em relação a Vadym Hrynko, o tribunal entendeu condená-lo pelo homicídio de Fábio Guerra (15 anos e nove meses de prisão), pelo homicídio na forma tentada do também agente João Gonçalves (três anos e nove meses) e pelas ofensas à integridade física de Cláudio Pereira (nove meses) e Rafael Lopes (um ano), o que resultou num cúmulo jurídico de 17 anos.
"Como podem os arguidos estar a defender-se de quem jaz inerte no chão? Como podem estar a defender-se se as imagens refletem uma euforia agressiva desmedida? As imagens desmentem os arguidos", afirmou a presidente do coletivo de juízes e jurados na direção de Vadym Hrynko e Cláudio Coimbra, sublinhando ser "irrefutável que os arguidos tinham consciência da sua superioridade física".
"Se dúvidas houvesse, e não há de todo, basta proceder à visualização dos vídeos. (...) Foi como se estivessem num ringue de boxe, com uma violência que deixava [os outros] no chão", notou, acrescentando: "Sabiam os arguidos que pontapear com violência a cabeça podia provocar a morte? Se sim, conformaram-se com esse facto? O tribunal analisou com muito cuidado esta questão e a resposta foi convictamente positiva".
Apesar de ter reconhecido uma "dúvida inultrapassável" relativamente à tese de os arguidos terem ou não tido conhecimento de que estavam envolvidos agentes da PSP na confusão no exterior da discoteca Mome, o tribunal refutou a ideia de que os agora ex-fuzileiros (ainda o eram à data dos factos) não tinham conhecimentos de defesa pessoal ou que haveria dúvidas relativamente ao relatório da autópsia de Fábio Guerra.
"Fábio Guerra foi sujeito às agressões perpetradas pelos arguidos. O perito não é testemunha de factos. Não compete atestar se foram esses factos ou outros, compete atestar se os factos relatados são compatíveis com as lesões. [Isso] resulta cristalino e encontra-se indubitavelmente exarado no relatório", resumiu a juíza-presidente.
Foi ainda sublinhada a prática de boxe pelos dois arguidos para fundamentar que estes deveriam saber que golpes na cabeça -- nomeadamente, pontapés -- podem ser fatais: "A vulnerabilidade da cabeça é um saber comum, não se pode alegar que não previram o desfecho, porque qualquer homem médio preveria isso".
O tribunal decidiu ainda aplicar uma indemnização à família de Fábio Guerra -- que esteve presente na leitura do acórdão - de 432.500 euros.
O agente da PSP Fábio Guerra, 26 anos, morreu em 21 de março de 2022, no Hospital de São José, em Lisboa, devido a "graves lesões cerebrais" sofridas na sequência das agressões de que foi alvo no exterior da discoteca Mome, em Alcântara, quando se encontrava fora de serviço.
O MP acusou em setembro os ex-fuzileiros Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko de um crime de homicídio qualificado, três crimes de ofensas à integridade física qualificadas e um crime de ofensas à integridade física simples no caso que culminou com a morte do agente da PSP Fábio Guerra.
O que dizem os advogados
À saída do Campus de Justiça, o advogado da família de Fábio Guerra considerou que, apesar de ainda não o ter lido, lhe parece que a posição do acordão "está muito bem fundamentada em termos de análise de prova", ou seja, de como as coisas se passaram na noite que resultou na morte do agente. "A única coisa que vamos agora refletir, estudar e tentar perceber diz respeito à pena parcelar do homicídio qualificado", notou, acrescentando que a pena parcelar está, se calhar, "aquém daquilo que era a expectativa".
"A prova está bem justificada, percebe-se o raciocínio jurídico para concluir a atuação destes senhores - pelo menos, por ora, não quer dizer que não venha a mudara minha opinião. O que não consigo perceber [é], sendo assim, com esse grau de censurabilidade, ficando demonstrando que tinham conhecimentos especiais [por serem fuzileiros], como é que ficamos nos 16 anos num homicídio qualificado e não subimos um pouco mais?", questionou.
Também o advogado de Vadym Hrynko, condenado a 17 anos de prisão, assegurou hoje que vai recorrer da sentença, apontando que se perderam "três vidas" neste processo.
"Perdemos aqui três vidas. A mais grave foi a do agente Fábio Guerra, que morreu. É o maior dano de todos, mas não podemos deixar que a emoção destrua a vida de outros dois jovens", defendeu José Teixeira da Mota.
"Quem é que estava inanimado quando ele pontapeou alguém? Quem? Consegue dizer-me? Não consegue, pois não? O tribunal também não", lançou, complementando que se o seu cliente não agiu em "legítima defesa, se calhar está na hora de começar a estudar outra vez direito". José Teixeira da Mota apontou ainda que esta decisão reflete um "manifesto exagero resultante de uma retórica que durou um ano".
[Notícia atualizada às 14h50]
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