"É nosso entendimento que tais medidas representam um claro retrocesso civilizacional no que diz respeito ao acesso dos/as cidadãos/ãs ao direito e no que concerne à cultura jurídica da sociedade em geral", lê-se na carta aberta hoje divulgada publicamente pela Ordem dos Advogados (OA) e remetida a Marcelo Rebelo de Sousa, a António Costa, e a Ursula Von Der Leyen.
Num texto assinado pelo Conselho Geral da OA, com a bastonária a encimar a lista de assinaturas, aponta-se que num tempo de "grande profusão legislativa, com regulamentação cada vez mais específica e densa", o caminho deveria ser o de promover o conhecimento especializado "como forma de garantia de um aconselhamento técnico-jurídico sério, rigoroso e responsável", ao invés de abrir a profissão a "profissionais não qualificados" com "danos graves e irreversíveis" para empresas e cidadãos.
"Permitir que a consulta jurídica, a elaboração de contratos e a negociação de créditos possam ser livremente praticadas por pessoas singulares ou coletivas sem a competência técnica para o efeito, nem sujeitas a regras éticas e deontológicas perfeitamente definidas, é permitir que os direitos dos/as cidadãos/ãs fiquem completamente desprotegidos e à mercê de táticas mercantilistas, que visam não a defesa dos interesses do/a cidadão/ã mas sim o próprio lucro de quem presta os serviços", critica a OA na carta aberta.
Em sete pontos críticos da proposta de revisão dos estatutos elaborada pelo Ministério da Justiça (MJ), a OA afirma serem falsas as premissas de falta de concorrência na profissão, como justificação para abrir o exercício a outros profissionais, diz não estar assegurado o sigilo profissional, o regime de conflito de interesses e outros princípios éticos e deontológicos.
A OA afirma ainda que a proposta de revisão dos estatutos "privatiza a Justiça, ao permitir a negociação e cobrança de créditos por empresas constituídas especificamente para o efeito, que atuam sem qualquer tipo de ética ou regulamentação, promove a concorrência desleal" ao impor obrigações aos advogados que não são exigidas a profissionais externos que passam a poder desempenhar atos próprios da profissão; e permite um "controlo externo" da OA", por órgãos "compostos por não associados, desconhecedores da prática da advocacia".
Conclui considerando que a proposta do MJ "encerra um ataque grosseiro à liberdade e independência da advocacia e da OA, que nem em tempo de ditadura se viu, consubstanciando, de modo intolerável, um duro golpe ao Estado de Direito democrático".
"Por tudo isto, entende a OA que sem os atuais atos próprios, sem liberdade e independência no exercício da profissão e sobretudo sem regulação da profissão, não haverá respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e consequentemente não existirá um verdadeiro Estado de Direito democrático. A advocacia deste país não compactuará com este ataque e não assistirá impavidamente a este retrocesso", conclui a carta aberta.
Os estatutos das ordens profissionais estão a ser revistos na sequência da alteração da lei que regula estas instituições, algumas das quais já se manifestaram contra as mudanças, entre elas a OA, que já manifestou disponibilidade para lutar e utilizar "todos os meios ao dispor", nomeadamente "parar a justiça", para protestar contra a proposta do Governo, que considera violar os princípios do Estado de Direito.
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